Dia 20 - "Mãe, quando é que escreves o livro"

 Este é o último texto da série de 20 que decidi escrever pelos 20 anos do Tomé, achava que ia escrevê-los em 20 dias, afinal foram precisos mais de 4 meses... Tanta coisa aconteceu que venho contar em breve. Uma das coisas que vai acontecer é que este blogue se vai transformar em livro. Há muito tempo que queria escrever e o Tomé andava sempre a perguntar-me para me irritar "Então mãe, quando é que escreves o livro?". Ele achava mesmo que eu devia escrever. Não era sobre o mesmo mas no fundo era. Seria sempre sobre as relações, a vulnerabilidade, a autenticidade e o amor. Gosto muito de fechar o ciclo com este texto. Têm sido uns dias mágicos e já faziam falta.

Querido Tomé,

Sonhei contigo hoje, estávamos sentados os dois em cima da cama dos teus avós, que já não existe e conversávamos muito tranquilamente. Tu estava morto e só eu é que te conseguia ver. Estares morto não fazia diferença para nenhum de nós.

Será que estar morto faz diferença? Sinto cada vez mais o mistério. Será que a morte é o papão com que nos fazem comer a sopa às vezes intragável da vida adulta? Já não vejo nem sinto a morte da mesma forma, antes sentia-a como ma tinham ensinado: uma coisa horrível de que é preciso fugir, ou pelo menos achava que a sentia assim. Porque no fundo quando confrontada com ela não era isso. Agora que penso tanto nela, não é que lhe tenha perdido o medo, mas questiono-o muito. E não me parece tão aterradora, parece-me até bela. De uma beleza transcendente. E parece-me também amiga, uma amiga com a qual se pode sempre contar.

Ontem estive com a Carolina e ela dizia “Está tudo tão violento, as pessoas andam tão violentes, não aguento, eu tento mas não aguento, faz-me mal.” A mim também e a ti também fazia. As pessoas andam assustadas e o medo provoca agressividade. As pessoas têm cada vez mais medos. Se calhar sou menos pessoa porque morreste, tenho medos, mas menos.

Estive com a Milagros e a Leia enviou-me a tua mensagem. Obrigada.
A Milagros contou-me que enquanto eu estava na estrada para ir ter com ela a Leia lhe ligou:
“sabes mãe ontem não quis preocupar-te, só que pequei o autocarro que faz aquela estrada conhecida pela estrada da morte. Eu achava que era mais a fama que outra coisa, mas depois falando com as pessoas percebi que era muito perigosa e que há muitos acidentes. Foi muito impressionante, esses abismos todos! Eu quis  fazer a estrada na mesma e antes de sair queria dizer-te quanto te amo e que sou muito feliz. E que se algum dia acontece alguma coisa, como aconteceu ao Tomé, que saibas que viví sempre feliz fazendo o que gosto e seria triste para vocês mas eu estou bem. Nunca sabemos quando pode acontecer um acidente. E era isto mãe. “

Ainda não consigo falar sobre isto sem começar a chorar, é um choro maravilhoso. Porque cada vez que leio ou falo nisto o meu coração se cura um bocadinho, cada lágrima é um pouco dele que cicatriza. Porque para mim são as tuas palavras, são as palavras que podias ter dito. “Eu quis fazer a estrada na mesma.” Está bem querido, teres feito a estrada e acontecer um acidente. Gostava de ter a certeza de que estavas feliz e não tenho. Mas quem tem? Quem está sempre feliz?
A tua morte abriu-me muitas portas, se pudesse escolher preferia mil vezes ter-te aqui feliz e que elas tivessem ficado fechadas. Assim como não tenho, restam-me ver a beleza incrível que está anascer por tua causa e por causa do amor tu inspiras. Não te perdi. Não te vou perder. Encontro-te todos os dias dentro e fora de mim. Encontro-te quando a Madalena diz que "O Tomé já não é teu, é nosso." e quando a Marta diz "olho para a imagem do Tomé e parece-me conhecê-lo de sempre, e sinto que também é meu filho, que é filho de todas as mães do mundo."



Podes estar morto, mas ainda estás a crescer e a dar frutos na minha vida e na de outros, cada vez mais outros. E tenho um enorme, incomensurável orgulho em ti, e em cada um de nós que abre o coração mesmo quando doi. Há dores que curam, que são suaves, há tristezas que são meigas. Saudades que são doces. Se a dor não cegar há uma incrível beleza em tudo isto, em que uns morram para dar lugar aos outros, a que os que ficam sobrevivam e continuem a amar, a que apesar da vida ser transitória nos empenhemos nela.

Tinha medo de ter perder Tomé, em todo o lado lia e ouvia a expressão “perder um filho” até li num livro que depois de um filho morrer é preciso desfilhar. Quando toda a gente repete o mesmo é dificil não pensar que somos nós que está errado. Agora sei que não ter perdi e nunca te vou perder. Tu morreste, é tudo.

Mãe

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