Sinto-me perdida hoje


Sinto-me perdida hoje, sem caminho, estive a arrumar a casa, e por todo o lado há coisas do Tomé, coisas que ele já não vai precisar. Assim como já não precisa de mim...
O tempo tem passado num ritmo estranho. De alguma forma as coisas voltam ao "normal" aos poucos, as coisas triviais continuam a existir: as contas, a casa para arrumar, o cão doente, as burocracias de que é preciso tratar.
Quase como se nada se tivesse passado. O mundo continua igual, bem capaz de me absorver de novo, de me engolir e me fazer esquecer. Ao contrário da maioria das pessoas o meu problema não é a dificuldade em esquecer e voltar a uma vida normal que me preocupa, é a facilidade com que isso pode acontecer.
Tive várias conversas sobre isto com o Tomé, disse-lhe que tinha que começar a realizar os meus sonhos, que tinha passado tantos anos a ser mãe, que agora tinha que pensar em mim, que tinha 50 anos e não podia esperar mais, que tinha que ter uma vida própria para quando ele saisse de casa, não ficar a viver a vida dele.
Falei com amigos e disse-lhe que é uma merda quando em vez de ser o filho que quer sair primeiro é a mãe. Eu sentia tanto essa urgência de começar a minha vida pós-maternagem. Talvez por também ter tanto medo de não ser capaz. Agora claro que me pergunto se ele achou que me estava a prender e a resposta é provavelmente sim e isso é amargo.
Agora que "posso fazer o que quiser" com o meu tempo, dou por mim a não fazer nada do que tinha planeado. As coisas não se desenrolam ao ritmo que eu sonhei. Ainda agora me sinto aos poucos a sair do estado de choque de tudo o que aconteceu.
Há dias tive uma crise de pena de mim misturada com raiva. Senti que a minha vida está mediocre, que os meus sonhos andam em banho-maria, que se arrastam e que estou a adiar. Que estou a resvalar para um dia a dia medíocre. Salva-se o trabalho que é uma luz para mim, mas não chega.
Para quando a carrinha do Co.mover.se? Para quando começar a escrever? Para quando viver em comunidade? Não sei se é com bom senso que lá chego, ou se tem que ser com um bom bocado de loucura.
O tempo passa, e se já antes compreendia o quanto ele é precioso agora ainda mais, no entanto a força das tais coisas triviais, das coisas urgentes continua a servir-me de desculpa para não fazer as importantes.
Na quinta feira faço 52 anos, o primeiro aniversário sem o Tomé presente fisicamente. Já não o posso usar como desculpa. Não quero usar a ausência dele como a próxima desculpa. Quero ser alguém que deixa ir as desculpas que a impedem de viver o seu potencial, alguém que tem coragem de viver os seus sonhos, que tem coragem de tomar posições, mesmo que sejam polémicas, que saiba escolher bem os riscos que corre.
Sobreviver não é suficiente, quero sentir-me viva, abraçar a vida com tudo o que ela dá e tira, aprender a arriscar tudo o que for necessário para encontrar a verdadeira segurança. Espero ser capaz. Às vezes é confuso, às vezes é dificil.



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