Querido Tomé - Mortiversário


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Querido Tomé,

Hoje à noite, por volta das quatro da manhã foi o teu terceiro mortiversário.
As palavras inventadas são sempre as melhores.
Vejo-te rir.

Não te sinto como te sentia. Não sei se é bom ou se é mau para ti, mas a mim fazes-me falta.

Também sei porque foi, porque alguém sem nenhum sentido de humor me disse que não era "permitido" que viesses ter comigo.
Não acreditei, não me fez sentido nenhum, mas a verdade é que essas palavras me assustaram desfocaram de ti e ainda não voltei a encontrar-te. O que nos liga é sempre o amor e o que nos desliga é sempre o medo. 

Tudo o que escrevo hoje parece parvo, de menos, desapropriado, se calhar porque não há palavras, mas o silêncio também não serve, porque daria a parecer que não aconteceu nada e não é verdade. O que aconteceu foi tanto que nem consigo encontrar palavras os meus próprios sentimentos. Prefiro dizer as palavras erradas do que ficar calada. Acertar é o que acontece depois de errar o suficiente. 

Há 3 anos, saíste de casa e a última coisa que te disse foi "porta-te bem" ou "tem juízo", uma dessas coisas que são banais. Falámos da tua viagem para Angola em breve, na tua viagem pela Europa com os teus irmãos daí a dias, de como eu ia começar a mudança de casa sem ti e terminava quando chegasses. Acho que te fiz sentir culpado... outra vez, foram muitas, foram demais. 

Foi difícil Tomé ser mãe sózinha de 3, mas foi ainda mais dificil ser mãe sózinha de um, quando ficámos só nós. Quando éramos 4 éramos uma equipa. Quando ficámos só os dois, tu foste o meu melhor e às vezes único amigo e isso soube-me bem mas foi tão mau para ti. Como diz a Ana Vasconcelos: 

"Comove-me a quantidade de crianças 

que são cuidadoras de pais infelizes"


* http://activa.sapo.pt/filhos/2016-07-24-Ana-Vasconcelos-pedopsiquiatra-Comove-me-a-quantidade-de-criancas-que-sao-cuidadoras-de-pais-infelizes

A mim comoves-me tu, e também sinto por todos os outros filhos que como tu têm que preencher um papel que cabia não a um mas a vários adultos.

Porque houve um porquê, muitos porquês. A tua vida e a tua morte têm  porquês. A tua morte foi construida passo a passo ao longo da tua vida. E eu deixo-te ir, claro que sim, mas não me deixo ir de ti, nem da necessidade de compreender e falar sobre estas coisas todas. Mesmo que doa, dói muito menos do que o silêncio, é a diferença entre uma dor que destroi e uma dor que cura. 

Vou continuar a celebrar o teu mortiversário, não para me mortificar...  mas porque é real, aconteceu, faz parte do nosso processo, que não acabou aí. É o segundo momento mais marcante da nossa relação, a seguir ao teu nascimento, e merece ser honrado.

Chamem-me maluca, mas eu sei que tu compreendes, gosto desta  palavra mortiversário. O melhor lugar para o humor é mesmo junto com a dor. Chorar e rir são irmãos gémeos, os dois implicam respirar fundo, sacudir o diafragma e levar ar a sitios dos pulmões que normalmente não sabem o que isso é. Por isso a imagem deste post faz tanto sentido. E até acho que descobri hoje o nosso super poder juntos, um poder que sempre esteve lá, em nós os quatro: conseguir rir em face dos problemas e das dores. E agora fazemos este upgrade de rir em face da morte e do luto. Rir e chorar, chorar e rir. Porque o riso é o antidoto para o medo e por isso o melhor amigo do amor.

"O riso é dez vezes mais poderoso do que os gritos."







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