A verdade cura?



Não deixa de ser curioso que seja a seguir a uma viagem que se destinava a começar a escrever mais, o que acontece é que comecei a escrever menos... a previsibilidade da imprevisibilidade no seu melhor.

A viagem foi muito importante, essencial. Permitiu-me sair de um movimento continuo que serviu o seu propósito mas tinha que se transformar em outra coisa, passar da energia do primeiro ano para a do segundo, um novo ciclo. Permitiu-me dar-me ao direito de não escrever, sem ter medo de não o voltar a fazer, nem que o blogue morra por isso.

Foram dias com uma paisagem exterior muito bonita, mas com uma paisagem interior dolorosa.
Senti muita falta de alegria, e o meu sentido de humor esteve completamente adormecido.
Cada vez que sinto o quanto no último ano deixei o Tomé abandonado e sem ninguém com quem falar, a sensação é insuportável. Por ser insuportável não quer dizer que não tenho que ir lá, ao contrário, não posso ignorá-la, senão vai fazer uma bolha de insuportabilidade que vai expressar-se de outra forma qualquer, vai encontrar forma de se infiltar na minha vida, tenho que passar através e não ao lado de.

Por outro lado na viagem tomei mais consciência, as parecenças que tenho com a minha mãe até em termos fisicos. Incomoda-me que o facto de o Tomé ter morrido é mais uma coisa que tenho em comum com ela, que também perdeu um filho. Faz-me pensar em se todas as coisas que fiz para me afastar dela não acabaram por me levar inevitavelmente a um ponto onde me tornei cada vez mais como ela, até ao ponto de não conseguir ouvir o meu filho e de me sufocar em trabalho. Encontrar-me como tantas vezes a vi a ela às onze da noite a trabalhar, apenas as motivações mudam, ela fazia-o por dinheiro e segurança eu por sentido de missão, mas não é tudo o mesmo no fim, independentemente das justificações?
Uma forma de fugir de emoções difíceis?
Tudo isto fica a pairar na minha cabeça.
Tenho a sensação de que mesmo ao lado há um caminho cheio de clareza e de luz, não consigo entrar por ele e fechar os olhos a todas as outra possibilidades, não quero fazer isso, sei bem o que perderia. Teria que viver o resto dos meus dias de olhos fechados.

O nome do Tomé sempre me intrigou, porque é que tinha escolhido esse nome, que tem a ver com o "ver para crer". Imaginei muitas vezes que o Tomé iria descobrir alguma coisa especial. Agora não sei se ele ou eu. Se isto que aconteceu faz parte do meu percurso de ver para crer, de conseguir ver o que não se vê. Ás vezes penso que só não comunico mais com ele porque tenho medo. E porque fecho essa possibilidade. Outras vezes penso que se calhar ele já reencarnou e está noutro sitio a viver com outra família e que tenho mesmo que o deixar ir. E todas estas coisas são muito incertas. É uma daquelas situações onde ver para crer como os olhos físicos é improvável e se calhar só se pode confiar nos olhos do coração. Esses tais em que fomos ensinados a não confiar. Será que consigo deixar-me guiar por eles? Não sei, ainda tenho muitos medos.

Percebi também uma coisa que me fazia confusão naquilo que senti do Tomé depois de ele morrer; primeiro senti-o com clareza de intenção, bem, que a morte dele tinha sido uma escolha da alma, depois fiquei chocada por senti-lo cheio de confusão, assustado e perdido. Achava que só uma das coisas podia acontecer. Agora percebo, que as duas partes podem coexistir na mesma alma, é exactamente o que se passa comigo. Uma parte do tempo estou alinhada e sinto as coisas com harmonia e com paz, sinto amor e leveza, outra parte do tempo estou completamente perdida e afogada em dor.

E dou por mim a questionar-me sobre o sofrimento, porque é que nascemos e qual é o sentido da vida. As perguntas mais universais. Tal como o Tomé vejo a dor e a hipocrisia no mundo e uma parte de mim não acredita que tenha que ser assim, parece uma crueldade.


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