As formigas e a montanha



Há tanta coisa a acontecer... o Natal está a chegar, os refugiados continuam a chegar, os portões da garagem do meu prédio vão ser pintados em homenagem ao Tomé, há uma catástrofe ecológica a acontecer no Brasil, há pessoas há minha volta a passar por diversas situações, a partilhar comigo tantas histórias e outras apenas as pressinto mas estão lá, há bombardeamentos na Síria e atentados em Paris, o meu cão vai ser operado amanhã. As coisas não correm como eu quero, doem-me as costa e a alma, talvez na mesma proporção.

Há semanas falava com a Rita, a madrasta boa do Tomé, sobre a sensação de sermos formigas a empurrar montanhas - sabem aquelas pessoas que chega à nossa vida e encaixam como se sempre tivessem lá estado? a Rita é uma pessoa assim para mim. 

Falámos sobre a sensação de impotência perante a lentidão dos processos, a estupidez do sistema e a sua força bruta. Do cansaço perante tanta coisa que precisa de mudança urgente, a percepção tão física das dores do mundo. Da urgência de agir, tão forte que se vira contra nós. Que nos faz perder os limites. O Tomé também era assim.


Dá ideia que somos boazinhas não é? Não é. Precisamos dessa mudança para nós próprias. Não conseguimos por mais que queiramos, adaptar-nos ao que vemos à nossa volta, nem parar de sentir a dor dos outros. Essa mudança por que lutamos, é sobretudo para conseguirmos ser nós próprias, para parar a nossa dor. As pessoas da nossa espécie, não conseguem ser sem os outros, é uma maravilha e uma praga. O nosso gesto de mudar o mundo é um ato de extremo egoísmo com efeitos secundários positivos para o mundo e negativos para nós.

Cada um age de acordo com estratégias muito diferentes para conseguir o básico, segurança e amor. Para os que estão tão magoados que já não acreditam no amor, este é trocado pelo poder. Existimos ao longo de uma escala onde num dos extremos estão os psicopatas, que pensam sempre primeiro em si do que nos outros, e podem infligir dor sem sentir e no outro extremo os empáticos, que pensam sempre primeiro nos outros do que em si, e cada vez que infligem dor a outro, sofrem mais do que ele. Sentem mais as dores dos outros do que as suas. As duas coisas são formas de violência. No segundo caso a única vitima é o próprio.  Todos estamos ligados, os psicopatas só se tornarão menos psicopatas à medida que os empáticos se tornarem menos empáticos... e vice versa.

Algumas pessoas tornam-se patológicamente empáticas, assim como outras se tornam patológicamente psicopáticas. É uma das coisas de que tenho responsabilidade: ter passado ao Tomé uma referência de auto-imolação ao bem estar dos outros. Com disse uma amiga muito directa e corajosa: "Soubeste ensiná-lo a abrir o coração, não soubeste ensiná-lo a protege-lo". 
Embora sinta muitas vezes culpa, não tenho intenção de a alimentar, à responsabilidade sim - quero enfrentar toda a responsabilidade de frente. É essencial para o que quero fazer a partir daqui. A culpa leva ao castigo. A responsabilidade leva à mudança. À partilha honesta de experiências que levem a compreendermos-nos melhor e por isso viver melhor no mundo. 

Tenho andado dorida, esperançada, assustada. Ás vezes sou tentada a pensar que este mundo não presta, que não vale a  pena fazer nada para o mudar, que as pessoas são estúpidas e incorrigíveis, mas... aqui vivem demasiadas pessoas que amo para poder virar as costas. 
Por muito tentador que seja. Um dos meus filhos já não tem que viver neste mundo, mas dois têm, e é neste mundo que os filhos deles viverão. 

Não é só dos meus filhos que me sinto mãe, quem é mãe de um é mãe de todos. Mãe é uma coisa universal, depois de se ser, é tamanho único. . Há outros, que são uma responsabilidade pessoal. São outros como eu, como o Tomé que estão a ser devastados por aqueles que fingem ser adultos mas não são. Os que têm medo de sentir, de errar, de amar. São muitos outros que estão a tentar manter-se ligados à sua alma, no meio de um massacre da alma. Podia virar as costas? Sim, mas ia levá-los dentro dos meus olhos. Ia vê-los onde quer que estivesse. 

Resta-me ser a formiga que empurra a montanha, e, sabendo que sozinha não posso nada, esperar que mais formigas se juntem, que mais pessoas deslizem na escala da psicopatia, para o lado da empatia, para poder deslizar para o equilibro. Em várias coisas já somos várias formigas e as montanhas começam a mover-se. As formigas conseguem carregar cem vezes o seu peso, por essas contas só eu consigo carregar quase uma tonelada ;)

Mesmo assim há uma parte de mim que tem saudades de casa e nem sequer sabe onde isso é... 


por mais que estudes a vida
não se aprende a viver sem ser vivida
podes ler muito mas continuas sem saber
a saída de uma sociedade
enclausurada que só te prende à tradição traidora
opressora, ficas mais burro a falar com a professora
há que criticar e não se deixar levar por palha
pois o lixo no cérebro só baralha
se não te calha um bom profeta como mentor
terás que ser tu o motor da descoberta
mantendo a mente aberta e desperta à espera da altura
certa para mostrares o que vales, aí nada te segura
pega no que acreditas e não te cales

Tomé

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