Coisas grandiosas e coisas banais

Em Setembro a Sónia Mendes Monteiro escreveu-me uma mensagem muito importante em resposta a um texto que escrevi no blogue (clica aqui se o quiseres ler), pedi-lhe para partilhar aqui.


"Uma vez, com uma Amiga; falávamos sobre como gostaríamos de ajudar este mundo. 
Eu ia dizendo todos os projectos que tenho no coração para ajudar o próximo, 
todas as coisas que já fiz, subitamente interrompeu-me. 
- Por que é que não ajudas a tua família? 

Fiquei surpresa  

- A minha família está bem!!! , respondi 

Senti-me “alfinetada”… 

afinal de contas, nunca fui ineficiente a tomar conta dos meus!...
E ela respondeu-me:
- Eu também era assim como tu. E não tem nada de errado!... mas um dia percebi que aos próximos sempre podemos melhorar um pouco a Vida. Não é preciso ir longe… Ir ajudar a mãe a fazer as compras, ir buscar o filho mais cedo à escola para estarem juntos a não fazer nada, ir pagar as contas do tio que não gosta de sair de casa, por aí…”.

- E isso não é egoísmo/comodismo???, perguntei. Há tantas pessoas com mais necessidades!!!
Ela falou-me, simples:-
 Não. É fazer primeiro a tua obrigação…
Eu a achar que ia salvar o mundo, e percebi q estava a descurar um lado muito importante, acredita que me ajudou a melhorar as minhas relações pessoais com a família porque passei a estar realmente mais disponível para eles, passei a olhar para eles e a ouvi-los doutra forma, e, maravilhosamente, isso ajudou-me depois no resto...
Fátima, não sei pq lhe contei isto agora, mas realmente revivi este episódio que me marcou.
Espero que, de alguma forma, lhe faça tanto sentido com me fez a mim."

Estamos num momento em que é tão urgente olhar para o mundo, e olhar pelo mundo. E ao mesmo tempo é preciso continuar a cuidar do nosso mundo pessoal.
Nestes dias, sinto a cabeça à roda e uma mistura de desânimo, indignação e culpa, acompanhados por uma vontade imensa de mudança e perguntas sem fim sobre qual é o meu lugar nessa mudança, onde me cabe estar, o que me cabe fazer.

Enquanto fui mãe não consegui fazer nada socialmente e sentia-me culpada. Tinha uma ânsia ainda maior e um sentido de responsabilidade acrescido em relação à mudança, pelo mundo em geral, mas pelos meus filhos em particular. Por eles a mudança tornava-se ainda mais urgente.  Insisti no meu trabalho instável. No ano que antecedeu a morte do Tomé enlouqueci bastante, senti a pressão externa e interna, sentia o tanto que há para fazer, a ânsia por realizar o meu potencial, a pressão dos 50 sem um tostão no banco... sem ter trabalho "que se visse" feito. Tinha pressa... e a minha pressa teve custos tão altos. Eu sei que não sou a única mãe/pai/tia/amiga a debater-se com estas questões. Elas são mais profundas do que parece à primeira vista.

È tão mais fácil fazer gestos grandiosos pelo mundo - por pessoas que não conheço, pelo planeta, ou pela minha empresa, pelo meu projecto, pela minha ascensão social - gestos que me façam ser admirada pelos que me vêem de fora, do que fazer os gestos pequeninos,  invisíveis, que nem conseguem agradecimento, pelas pessoas que estão ao meu lado todos os dias, pelas pessoas que me amam. 
Foi mais fácil ficar no facebook, a dar conselhos a estranhos, do que dar um beijo de boa noite ao meu filho antes de ele adormecer, divulgar eventos em vez de adormecer abraçada ao meu parceiro, ajudar os clientes a resolver os seus problemas com as mães em vez de ter gestos de carinho para a minha. Mais fácil dar uma palestra gratuita do que ir aos anos da minha sobrinha. Estas primeiras coisas são de gratificação fácil, não exigem envolvimento, nem intimidade, nem conflito, nem os riscos do amor pessoal.

Estas coisas não são opcionais,  podemos fazer umas e outras, mas nem sempre é possível, às vezes é preciso ter prioridades. Com a pequena diferença que o mundo pode ser salvo por qualquer pessoa, mas só eu sou  mãe dos meus filhos, filha dos meus pais, vizinha dos meus vizinhos. O impulso para ajudar o mundo é excelente, continuo a tê-lo e a dar-lhe imenso valor. Desde que não me faça esquecer daqueles para quem eu sou insubstituível. Os outros também são meus, mas para eles sou apenas uma das possibilidades. 
Há alturas em que é necessário não deixar a árvore esconder a floresta, mas outras em que é mais necessário não deixar a floresta esconder a árvore. 

Só queria dizer-te se és mãe ou pai, ou alguém que tem alguém dependente de si, para nunca teres vergonha como eu tive de não conseguir salvar o mundo enquanto fazes as tuas mil tarefas invisíveis, são esses pequenos gestos que suportam o mundo. Pode ser que sejam invisíveis e não despertem admiração, mas são essenciais e despertam amor. 

Sabem o que é irónico? Acabei de perder a oportunidade de falar como meu filho no Skype para escrever este texto... 


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