A palavra aos ridículos


Há algum tempo partilhei um video com a Beatriz sobre depressão, ela chamou-me a atenção de que as pessoas só falam das suas situações quando já as "venceram", não era o caso do rapaz do video, mas é bastante verdade. A maioria dos livros, vídeos e por aí fora que se encontram são sobre "vencedores".  

Poucas vezes temos possibilidade de acompanhar o percurso sem photoshop de quem está tão perdido e às aranhas como nós. Na ânsia das soluções e no medo da falta delas faz-se parecer que as tais vitórias são pontos estáveis, resultado de escolhas acertadas que podemos imitar, em vez de reconhecer que as vitórias são momentos do percurso aos quais se seguem inevitavelmente derrotas e o inverso é igualmente verdadeiro. 

Sinto necessidade de me justificar por partilhar confusão, "pensamentos negativos", incoerências, coisas ridículas e por aí fora. Estou fartinha de que tantas vezes comigo e com outras pessoas isso passe por fraqueza ou ingenuidade. Queria só declarar para o futuro que não é nem uma coisa nem outra, é uma escolha. Pode ser parva ou não, mas exige coragem e um bocadinho de loucura, para quem ache que é fácil, fica o desafio de fazer o mesmo. Com diz a Beatriz "às vezes eu gostava de ter mais coragem de falar sobre mim própria... Mas há demasiado medo associado a isso." e assim a Beatriz e muitos outros que precisam falar e ser ouvidos calam-se... E tanta gente que repete o que ouviu dizer sem arriscar nada, não se cala.

Acredito que ao testemunharmos as vidas uns dos outros acontece a verdadeira aprendizagem, contar histórias faz parte de uma tradição perdida nos tempos de transmissão de conhecimento vivo, de partilha de experiências. Histórias verdadeiras, não filmes americanos ou séries da HBO. Histórias de pessoas comuns com quem podemos identificar-nos e das quais nos vamos lembrar quando estivermos na mesma situação.

Felizmente poucas pessoas vão passar pela morte de um filho, quase todas vão passar pela morte de alguém querido - não matem o mensageiro, não fui eu quem fez as regras - e todos... TODOS...vamos passar pela experiência da morte, junto com o nascimento, é uma experiência comuns a todos independentemente da cor da pele, da religião e das opções políticas. Talvez se olhássemos isto nos olhos tivéssemos mais compaixão e menos apego ao material, porque nos momentos em que realmente conta, é só o amor que faz a diferença.

Muitos destes textos têm um tom agressivo, pode parecer que estou zangada, e muitas vezes estou, mas vale a pena explicar. Ás vezes preciso de me zangar para conseguir enfrentar os meus medos - e quero falar de um desses casos em breve. Escrever sobre coisas que me tocam assusta-me horrivelmente. Só quando estou em contacto com a raiva consigo fazê-lo... a raiva suplanta o medo. Por isso a raiva é essencial e por isso ela é tão desvalorizada, imagina se tivéssemos menos medo...

Muitas vezes temos que correr riscos para fazer o que consideramos correto. A maior parte das coisas transformadores e mágicas implicam riscos, e não são os riscos físicos os do top. Os emocionais são mais assustadores. A principal forma de reprimir sempre foi ridicularizar, e as pessoas com medo das emoções sempre ridicularizaram as que as expressam, não admira que tantos de nós se mascarem com medo do ridículo. O ridicularizar implica "todos" a rirem à custa de um. Começa muito cedo e não é agradável. Lembram-se?

Portanto :) demos a palavra aos ridículos... tipo eu... mas há muitos mais e comecemos a falar de coisas ridículas, como a bondade, a vulnerabilidade, os sentimentos, as dúvidas e incertezas, a raiva justa, o fracasso. Acho que vamos descobrir que não são ridículas, são humanas e inevitáveis. E que ao escondê-las impedimos-nos de viver na paz possível connosco próprios e com os outros.



Comentários

Mensagens populares