Porque é que continuo a falar do Tomé

Algumas pessoas podem-se perguntar porquê esta obsessão em falar sobre o Tomé e a morte. E é uma óptima pergunta. Por um lado porque sou do contra e já que não se fala da morte e era suposto eu ir chorar para o cantinho, dá-me logo vontade de fazer o contrário :P.
Mas essa não é a razão principal, as razões principais são duas, uma tem a ver com o Tomé e outra comigo.

A que tem a ver com o Tomé é uma tarefa de vida partilhada por nós os dois. Não me parece que nos tenhamos cruzado nesta vida por acaso. Nem que seja por acaso que somos mãe e filho.
Acredito que nos cruzámos por muitas vidas e que nesta mais uma vez nos ajudamos um ao outro a cumprir a nossa missão de vida. Tenho nas mãos a responsabilidade de honrar a minha parte do compromisso, sinto que ele me deixou algo para completar da missão dele. O mais lixado, é que não é completamente claro qual é essa parte... talvez por isso tenho andado às voltas ainda à procura do centro, sei que o vou encontrar à medida que for caminhando. Posso errar, errar muito, errar totalmente, mesmo assim sem dúvida que vou continuar. Ainda não falei sobre isso aqui, mas há coisas a serem planeadas neste sentido.

A que tem a ver mais comigo, mas ainda assim tem tudo a ver com o Tomé, é a consciência de que aprendemos a excluir da vida a vulnerabilidade, e a magia. Os dois momentos mais vulneráveis e mágicos da vida, o nascimento e a morte foram afastados das nossas vistas, medicalizados, tornados um assunto de especialistas.

A dor, o luto, a depressão, a ansiedade, o envelhecimento, a incerteza que fazem parte da essência da experiência humana de vulnerabilidade, e que só podem ser integrados com a ajuda da magia/poesia da vida, foram tornados assuntos de especialistas. E com isso somos todos reduzidos à condição de crianças impotentes, desamparadas perante a vida e dependentes de alguém superior que nos salve, em vez de cuidarmos uns dos outros como sempre aconteceu. Precisamos de começar a conversar sobre estas coisas e devolve-las ao dia a dia. Do conhecimento partilhado. Tirá-las da zona tabu e traze-las para a luz. Precisamos de humanizar o parto, a morte, a vida.

O foco na duração da vida, e na sua preservação, à revelia da alma, é aos meus olhos, a maior fraude que vivemos. Juro que só agora compreendo isto, já tinha lido muitas vezes mas só agora compreendo. Por causa deste foco prolongamos até ao desvario a vida mesmo que ela já não represente nada de nada, que não tenha restado um pingo de dignidade, que tenhamos todos os dia que olhar para nós próprios com desprezo por aquilo a que nos sujeitámos para sobreviver.

Quantas vezes baixamos a cabeça para não nos prejudicarmos, nos traímos para não perder uma posição social, uma posição económica ou prejudicamos a nós e outros, pela acção ou pela inacção para não incomodarmos. Vale a pena. Somos os meninos ricos que têm tudo menos o que importa: vontade de viver.
Uma quantidade assustadora de pessoas precisam ser medicada para a sua falta de vontade de viver, para impedir que se matem. Será que estão mesmo todas doentes? Ou devíamos ouvir o que têm a dizer em vez de as atirar para trás das costas como fracassos?
Número das vendas de antidepressivos, moderadores de humor e ansioliticos:
"Só no ano passado, foram vendidas nas farmácias 8,5 milhões de embalagens destes medicamentos. O que dá uma média de 23 mil caixas por dia, segundo os dados enviados ao DN pela consultora IMS Health."
"No total, entre janeiro e agosto deste ano, foram vendidas 18 milhões de embalagens destes medicamentos, mais 339.961 caixas (1,9%) relativamente ao período homólogo de 2012, indicam os dados divulgados à agência Lusa a propósito do Dia Europeu da Depressão, que se assinala no dia 01 de outubro."

Uma epidemia.. Em vez de tratarmos a doença não faria mais sentido tratar as causas? Em vez de tratar as pessoas tratar a sociedade que causa a doença? Desânimo vem de des- mais ânimo, do Latim animus, “alma, coragem, desejo, mente”, relacionado a anima, “ser vivo, espírito, coragem, disposição”. O desânimo, a depressão, são uma consequência do massacre da alma, que é acompanhada da falta de desejo, coragem....

Temos um tempo finito na terra, se vendemos a alma para sobreviver, vamos passar esse tempo finito deprimidos, e acabar por morrer sem paz. Porque parece que é unânime a quem trabalha de perto com a morte, há uma má morte e uma boa morte. Pode haver uma boa morte, depende de ter tido ou não uma vida boa vida, e não estou a falar de uma vida confortável, estou a falar de uma vida com coragem, com alma, correr o risco de estar vivo enquanto se vive.

E aí volto ao Tomé, há muitas coisas que não sei. Mas sei que a alma do Tomé estava magoada e que ele estava a lutar por se manter ligado a ela. E sei que muitos outros estão nesta luta, incluindo eu. O Tomé representa muitas outra pessoas, que ainda estão a agarrar-se à alma, lutando contra a maré. Talvez tu que estás a ler sejas uma delas.
É dificil. Ás vezes é desesperante. Não estás doente, não estás maluco, não estás sózinho. Como escreveu o Tomé:

"...terás que ser tu o motor da descoberta
mantendo a mente aberta e desperta à espera da altura
certa para mostrares o que vales, aí nada te segura
pega no que acreditas e não te cales"

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