Puna - A eficiência é a medida da verdade


Tenho-me dado conta de que só consigo escrever no blogue, escrevo e publico logo, sem pensar, hoje compreendi a razão, se não publicar logo tenho medo de não ter coragem. E é verdade, uma quantidade de rascunhos não acabados que comprovam isso.

Como muita gente tenho medo de errar, e como muita gente tenho mais medo de estar certa. A minha mãe chamava-me Doutora da Mula Russa cada vez que eu sabia ou fazia alguma coisa que ela não sabia. Não compreendia de todo o que a deixava zangada, eu só queria que ela tivesse orgulho de mim. Demorei anos a compreender. E percebi que não era só ela. Que muitas pessoas faziam isso umas às outras, tentar magoar ou pôr a ridículo quem parecia de alguma forma ser "melhor" em alguma coisa. 

"As pessoas acham muito mais fácil perdoar aos outros por estarem errados do que por estarem certos.                                                         Dumbledore 
  
Uma das funções de escrever aqui é lidar com a vergonha. A vergonha alimenta-se do segredo, se mantemos as nossas vergonhas secretas, elas crescem e ganham poder sobre nós. 
Por isso vou falar de uma coisa que me envergonha; eu estou orgulhosa da forma como reagi à morte do Tomé. Já está, já disse. Não orgulhosa como: 'eu sou melhor que os outros nisto', mas sim orgulhosa como 'eu nunca imaginei que aguentasse isto e conseguisse fazer o que fiz.' 
Queria estar mesmo contente e entusiasmada, aliviada com isso. Mas não. Ainda não consigo. À mistura com o orgulho, vem vergonha e culpa, como se, ter conseguido fazê-lo fosse uma maldade para quem sofre ou sofreu mais, em vez de uma esperança, ou uma inspiração, e estou com medo de ser castigada por isso. Se leram o texto sobre a minha experiência no grupo de apoio, podem ver que esse medo é real, fui acusada de imatura "A Fátima ainda é muito nova" e inexperiente no luto "Daqui a uns anos quando começar a ter falhas de memória venha falar comigo", ameaçada com a sombra da depressão futura "uma amiga minha reagiu como a senhora e 20 anos depois precisou de ajuda porque se tinha tornado alcoólica"... muito animador.

Por esta altura estou cheia de vontade de por este post na gaveta dos rascunhos, mas não vou fazer isso. Estar certo, estar errado. Como é que reconhecemos a verdade?
Puna: a eficiência é a medida da verdade. 
Teorias há muitas, como disse a Bianca com muita clareza há uns anos atrás, teorias cada um cria consoante o que lhe convêm provar. É na prática que as teorias se confirmam. 

Eu acho que pode haver aqui alguma coisa que possa ser eficiente se for verdadeira. Não só para mim. Através da vida do Tomé, do caminho que levou à morte dele e das suas causas. Que não têm só a ver com o Tomé. Muito disto me fica ainda preso na garganta, as ideias mais importantes, as hipóteses mais perturbadoras. Mas eu chego lá, ao meu ritmo mas chego. Apesar dos medos. O que posso fazer é ser o mais honesta que possa sobre a minha relação com o meu filho e as razões que acredito estarem por trás do que aconteceu. Coisas simples e óbvias, que nos habituámos a desvalorizar e que não têm soluções imediatas. Coisas de que me fui apercebendo ao longo do caminho, mas ignorei porque não acreditei que as podia mudar.


O lugar dos bebés, das crianças e dos adolescentes na nossa sociedade, a forma como a parentalidade é relegada a segundo plano frente ao mercado de trabalho, a maneira como abandonamos as familias monoparentais à sua sorte, a forma como ignoramos que a violência nas familias é contagiosa e atravessa gerações. São temas duros, mas mais duro é viver com as consequências de continuar a ignorá-los. 


Quando falo sobre as dificuldades dos filhos, terem na maioria dos casos a ver com a dinâmica dos pais, há sempre um pai ou uma mãe que se insurge. "Mas eu dei-lhe tudo." Essa frase diz muito sobre como nos enganamos a nós próprios. ~

Nunca conseguimos dar-lhes tudo, só podemos dar o que temos, e não temos tudo. Às vezes nem sequer temos os mínimos. 
E sabem que mais, não é vergonha. Olhem para mim... sou terapeuta, trabalho com sistémica, faço constelações e não consegui salvar o meu filho das consequências do trauma em mim, e na família. Agi bem intencionadamente mal, mesmo com toda a informação que tinha. Não fui suficiente. Se eu posso falar abertamente sobre isso, se eu me puder perdoar, talvez se prove que é possível começarmos a reconhecer e a falar sobre o facto que, os maiores danos que sofremos, são na grande maioria dos causas causados pelos pais, dentro da família. 

Se conseguirmos começar a olhar para as nossas falhas como pais com uma atitude curativa em vez de punitiva, algo de muito bom pode acontecer. Porque é urgente que paremos de culpar os filhos pelas consequências dos nossos erros. Eles não nasceram quebrados, fomos nós que os quebrámos, porque também nós fomos quebrados e não sabemos fazer de outra maneira. É este ciclo de irresponsabilidade que é danoso e faz falta ultrapassar. 

Se a eficiência é a medida da verdade, o mínimo que podemos dizer é que como sociedade não somos verdadeiros... Porque não somos eficientes a criar adultos felizes. Estamos a errar de mais formas do que se podem contar, podemos reconhecer os erros, podemos mudar. Por essa ordem. Agir mal não é o mesmo que ser mau. Vamos começar a compreender a diferença? 

A mudança já não pode depender só dos especialistas que aprenderam na escola. A mudança depende de cada um que é especialista em si próprio, de cada família de cada comunidade que aceite questionar-se e reconstruir-se. Esta mudança não é vertical, não pode vir de cima para baixo, é um mudança que tem que ser horizontal, feita por todos e para todos. A começar ontem.


E se eu estiver certa nisto, tentem perdoar-me. Eu também ando perdida.

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