Queres Tomézar?



Há dias, com uma cliente e sem saber como, apanhei dela uma sensação de felicidade e bem estar da qual já nem me lembrava... é espantoso como as sensações podem ser fugidias, e como sensações tão, tão familiares podem ficar fora de alcance por tanto tempo. Um bem-estar que já não acreditava que existisse.
De onde vêm estas memórias sensoriais que nos fazem felizes? como se uma cortina se movesse e deixasse ver algo que sempre lá esteve. Aquela era uma sensação que já não sentia há muito mais tempo. Uma ausência de stress.

Muita coisa na minha vida é focada em ser útil, em fazer uma diferença, isso tem implicado ser cruel e desleixada comigo própria e muitas vezes também o fui com o Tomé. É-me fácil seguir uma ideia, um projecto, até ao mundo das ideias e ficar lá a vogar até se esgotar, esquecer-me de comer, adiar dormir, esquecer-me de respirar. Às vezes envolvo-me tanto em projectos e na vida dos outros que me esqueço de pensar em mim e nos que estão ao meu lado, de viver aqui no reino do trivial, do arrumar a casa, do fazer sopa e emparelhar meias do ir dar um beijinhos antes de dormir. Alguém conhece a sensação?
Quem lê estes textos não vê a confusão em que está a minha casa, nem dá conta que comi uma tosta em vez de jantar, ou que me esqueci de comprar os remédios do cão porque mergulhei de cabeça no facebook e no blogue e esqueci-me do mundo. É uma estratégia de desligar a cabeça dos meus problemas corriqueiros e pessoais e envolver-me em algo maior e mais interessante do que os básicos do dia a dia. Não é um desligamento selectivo, muita coisa essencial fica para trás.

Há uns anos, não muitos, fiquei de cama por causa de uma anemia, nos dias em que estava mais fraca, a única coisa que podia fazer era passear o cão e eventualmente fazer a comida. Estava insegura e assustada, enfrentava uma cirurgia que não queria de todo fazer. E no entanto houve momentos tão bons. Momentos tranquilos sem obrigação de correr, nem de salvar ninguém. Apenas estar, ler, ouvir música, passarinhar pela casa. Lembro-me de ir passear o cão e sentir plenitude, sentir-me presente e de marcar esse momento para nunca mais me esquecer que é possível sentir paz mesmo assim. Foram tempos bons para mim e para o Tomé, sempre que ele chegava a casa eu estava cá, disponível para ele. Tínhamos tempo para estar juntos, para conversar. Mas foi preciso ficar mesmo doente para me permitir isso, que devia ser a regra. E assim que fiquei melhor quebrei a promessa de não me perder outra vez na corrida.

Agora que olho para trás, para essa fase e para outras, apercebo-me do quanto o Tomé, como tantos outros filhos e filhas, foi sobrecarregado com tarefas físicas e emocionais que não lhe competiam. Tantas vezes que lhe gritei "Não posso fazer tudo sozinha!" Sem me dar conta que, se havia algo para gritar seria: "Não podemos fazer tudo sozinhos!", a minha frustração não se devia dirigir a ele, devia dirigir-se a outros adultos que partilhassem responsabilidades comigo. A pior coisa que lhe fiz foi ser infeliz e stressada tantas vezes por estar sozinha e sobrecarregada.

Quero voltar a criar espaço para o bem-estar na minha vida. Aquele cheirinho do outro dia, deixou-me a ansiar por isso. Mas custa muito ser feliz agora, pensando sempre que se eu tivesse sido mais feliz antes a vida do Tomé teria sido tão melhor, em vez de ter que lidar com uma mãe queixosa e cansada. É difícil cozinhar agora quando pouco cozinhava para ele, é difícil arrumar a casa quando ele viveu nela desarrumada, é difícil ter alguma segurança económica porque agora já não tenho gastos com ele, é difícil ter alguma coisa, por pequena que seja que eu não lhe tenha dado, alegrias que não posso partilhar com ele, é difícil viver melhor agora do que quando ele vivia e se não conseguir isso, nunca vou conseguir, porque eu não estava feliz antes de ele  morrer, nenhum de nós estava. 

A primavera está a chegar, é a minha estação favorita e o Tomé não está aqui. 

Nuns dias sinto que não posso gostar da primavera. Outros dias sinto-me bem e não me lembro dele e em vez de ficar contente fico horrorizada.

Tenho pensado sobre a frase do Tomé, "Sê aprendiz de quem te sabe fazer feliz." E ela é o lema perfeito para mim. Aceitar o desafio que ela propõe e voltar a procurar o lado leve, feliz, confortável, livre, aventuroso e seguro da vida. Procurar e seguir as pessoas e situações que me ajudam a senti-lo. Sabendo que elas podem surgir inesperadamente e onde menos se espera como a minha cliente de que falei no inicio... E ser tanto quando possa uma dessas pessoas para os outros. 

Para mim, esta frase é o lema mais simples e profundo para resolver os ciclos de violência que tanto me perturbam e substitui-los por ciclos de amor e empatia. Demasiadas vezes convivi, sem escolha, com pessoas que me fizeram infeliz, e demasiadas vezes por hábito, repeti as suas acções, tornando outros tão infelizes como eu: "Toma lá que também não te vais ficar a rir". Reproduzi comportamentos que me danificaram, como forma de lealdade à familia e à comunidade a que pertenço, para ser normal.


O normal, nunca teve nada a ver com ser bom ou mau, certo ou errado, mas sim com o que é norma, o que acontece mais frequentemente num sistema familiar ou social. Em tempos foi normal haver escravos, bater nas mulheres, os médicos não lavarem as mãos antes das cirurgias, e o sol andar à volta da terra. Nestes casos como em muitos outros são os "anormais" que salvam. Os que provocam a evolução. 

A frase do Tomé convida a isso, a fazer a escolha de não seguir quem nos fez ou faz infelizes, mesmo que esses sejam a maioria, seguir antes aqueles com quem nos sentimos felizes, mesmo que sejam poucos, aprender com esses onde está a nossa felicidade e como fazer felizes outros. Assim simples. A felicidade são os olhos da alma.


Transformando o Tomé em verbo, a pergunta que fica é: E tu? Queres Tomézar?
"remembering to be light as a feather, to use the heart with bravery, to laugh or cry with authenticity. the verb: tomé ♡ "

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