O sagrado e o profano

Ás vezes sento-me a escrever e os meus dedos não conseguem ser suficientemente rápidos para acompanhar os pensamentos. Outras vezes a escrita é trabalhosa e hesitante.
A grande diferença está entre escrever do fundo da alma ou escrever da cabeça. As palavras podem ser bonitas de qualquer das formas ou não, mas as da alma tocam na alma e as da cabeça só chegam à cabeça. 

Tenho dado por mim dividida, entre estes dois lados, que nem sequer têm que ser opostos... 

Há muitos anos que me debruço sobre estes temas, a alma e a personalidade, o que compete a qual e como se interligam? Sinto que a personalidade cuida do bem estar aqui na Terra, num tempo e num espaço específico. É ela que quer que tenhamos conforto, segurança, que quer sobreviver a todo o custo. 
A alma é diferente, ela quer aprender, experimentar, crescer. É intemporal e atrevida. Para ela morte e vida, dor e alegria são apenas experiências. Ela quer sentir tudo profundamente. 

Para ser feliz preciso das duas fortes, uma alma forte ligada a uma personalidade forte, asas e raízes. Não é a personalidade ou o ego forte que causam problemas, são exactamente personalidades e egos subnutridos, desfeitos, que não criam raízes para que possamos voar em segurança. 

O que sinto que acontece muitas vezes é mesmo isso, perdemos o contacto com a alma e ficamos desalmados e desanimados. A personalidade enfraquecida, fica demasiado assustada com o lado destemido da alma e fecha-lhe a porta e atira fora a chave. Viver desalmado é terrível... para quem vive assim e para toda a gente à volta para o planeta. Viver sem alma parece-me muito mais penoso do que morrer, significa estar vivo mas não se sentir vivo, como quando perdemos o sentido do paladar e a comida deixa de ter interesse, sem alma a vida perde o interesse também. E quando perdemos o paladar precisamos de sabores mais e mais fortes para saborear alguma coisa. Na vida precisamos de emoções mais e mais forte para sentir alguma coisa. E onde isso pode levar?

Muitas pessoas sentem-se mortas por dentro. Acordam, deitam-se e nada as toca
realmente, nada as faz vibrar. 

É preciso algo forte, algo muito doloroso ou assustador para fazer alguém desligar-se. Por isso não é de todo justo castigar ou ameaçar quem está desalmado, é por se ser castigado ou ameaçado que tudo começa afinal. 

Talvez seja por pensar assim, que não vejo de todo a morte como a pior coisa do mundo. Embora não me lembre exatamente de já ter morrido... lembro-me muito bem de me sentir desalmada, e mais do que isso, sei o quanto é desafiante manter-me ligada à alma numa época onde ela é negada e desprezada. Desafiante e ás vezes impossível. Há um livro que nunca cheguei a ler mas do qual nunca esqueci o titulo, chama-se O Sagrado e o Profano e fui agora ali ver o google.. é do Mircea Eliade. O título diz-me muito. O sagrado e o profano, a alma e a personalidade. Um equilíbrio perdido e que é essencial reencontrar. Fora e dentro de mim. 

É pela falta do sagrado que não sabemos lidar com a morte nem com a vida. É pela sua falta que vivemos mais, temos mais, mas sem sentido e sem prazer. Acredito tanto, tanto, que trazer o sagrado de volta, para além de qualquer religião, é essencial para todos nós. 

Há algum tempo li uma frase que dizia que ninguém está realmente vivo se não tiver algo pelo qual não se importaria de morrer. Eu acho que esta é definitivamente a minha coisa. Embora a minha personalidade não esteja nada de acordo, a minha alma sim. Vamos negociar :)

O que é que isto tem a ver com o Tomé? Tudo. O Tomé estava mais ligado à sua alma do que qualquer outra pessoa que eu tenha conhecido.  Mas já são 3 da manhã, a minha personalidade quer ir dormir, vou dar-lhe ouvidos, embora a minha alma pudesse ficar aqui a escrever até nascer o sol.

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