Se ainda não está bem é porque ainda não é o fim


Anteontem aconteceu o previsivel, o livro de escritos do Tomé chegou a fim. Tinha vindo a poupar, a ler aos bocadinhos, era uma forma de ter algo de novo do Tomé ainda. De repente fiquei perdida, caiu-me uma tristeza enorme em cima. Faltava encontrar uma mensagem a dizer, está tudo a correr consoante os meus planos, estou bem e a culpa não foi tua, nem de ninguém, está certo assim.
É duro saber que não vai haver memórias fisicas novas do Tomé, por muito que eu queira tê-lo presente no meu coração para sempre, quem tem que construir memórias agora sou eu. 

Há um tempo atrás quando o Tomé ainda vivia aqui, aconteceram duas coisas que me provocaram emoções muito fortes, uma foi encontrar uma foto do Tomé pequenino e de repente começar a chorar de saudades. Senti uma perda enorme uma saudade enorme do Tomé pequenino. Daquilo que foi e não volta, sim tinha ali ao lado o Tomé adolescente, mas o tempo, as emoções, a forma da relação já não era a mesma. Fiquei supreendida pela intensidade da saudade, uma saudade de uma pessoa que estava comigo todos os dias, sim, mas de outra forma. Compreendi que a vida aparentemente não anda para trás e que não valia a pena alimentar essa saudade, veio e deixei-a ir, mas algo ficou, uma consciência de que para evoluir é preciso permitir que algo morra, com amor e por amor. E que isso não tem que ser mau, nem tem que ser bom e na verdade é um bocado de cada.

Pouco depois caiu-me outra ficha, de repente percebi que o Tomé em breve ia sair de casa, e que eu ia ter que aprender a não ter filhos em casa, ao fim de 26 anos, ia ser só eu. Fiquei apavorada, senti um gelo no estômago. Pensei "não estou preparada, não sei fazer isto, não quero, não quero" Eu que enchia a boca a dizer que queria que o Tomé fosse autónomo para recomeçar a minha vida, caí na realidade, já não sei ter a "minha vida" só sabia ter a "nossa vida" E mais uma vez aceitei, que ia ter que ser capaz, por mim e por ele, de deixar ir a vida a que estava habituada por amor. 

É muito triste escrever isto, não de uma tristeza fria que magoa, mas sim de uma tristeza quente que cura. De certa forma foi como uma preparação, foram sentimentos tão fortes. Não tinha como saber que ia ter que deixar morrer desta forma, nem que ia ter que ser só eu assim. Mas foi como se a vida me desse um preview, uma versão soft, para me preparar. Que ele ia mudar de forma e eu ia sentir a saudade do que foi, mas que isso talvez fosse necessário para a evolução dele. E que ia ter que permitir com amor. E que ia ter que deixar ir a vida a que estava habituada e comecar outra para a qual não me sinto preparada por amor. 

Aconteceram muitas coisas "más" na minha vida, e com isso uma das coisas que aprendi foi a procurar sempre alguma coisa de bom, mesmo na pior situação. Há dias a minha filha contou-me que no curso de teatro uma das professoras lhe disse que ela tinha uma coisa que era má como atriz, acreditava sempre que tudo ia acabar bem. Gosto de pensar que fui eu quem lhe transmitiu isso. Se pudesse escolher uma coisa só para transmitir aos meus filhos provávelmente seria isso.





Comentários

  1. Mais uma vez, obrigada, Fátima. Provavelmente não te apercebes da importância (pelo menos para mim!) destas tuas partilhas... O bem que me fazem, mesmo quando doem. E as percepções que já mudaram em mim. Por isso, obrigada, querida!

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    1. Olá Carla :) fico contente por te ler. Fico sempre na dúvida se isto é útil para alguém. Um grande abraço.

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  2. 'Apanhei' agora esta publicação, já antiga, mas que me fez recordar o meu filho mais 'crescido', que partiu há 28 anos.
    Curiosamente, como a Fátima, tive saudades dele muito antes de me deixar fisicamente: quando recusou voltar a mamar, quando tive de o deixar a primeira vez no infantário, quando foi para a escola e, principalmente (o que eu chorei e achei estúpido!!) quando nasceu...Qualquer separação daquele piolho era uma dor terrível para mim - e não aconteceu com nenhum dos outros dois.
    Quando morreu (acidente de carro com pais e irmãos), ao repensar na curta vida dele, achei que estive dez aos a ser preparada para a separação total; nunca contei a ninguém, com medo que me chamassem doida...Agora, ao ler o seu depoimento, vi que afinal, não fui única...
    Um abraço!

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  3. Olá Teresa! Pois não acho nada estúpido :) acho muito natural e normal, há tanta coisa que não sabemos... mas se calhar pressentimos, ainda bem que contou agora! Tenho tido a sorte de que várias pessoas me contam coisas de que não falam, e sabe, acho que a vida era mais mágica e fazia mais sentido se falássemos mais das coisas peculiares. Como se chama o seu filho?

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