Mizpah

Querido Tomé

Estou a começar a compreender o desafio que me fazes.
Quase que consigo ver-te a abanar a cabeça e a fazer tssccc...
Não tem graça! Tudo tinha mais graça contigo aqui.
E mesmo assim, é verdade, ás vezes não tinha muita.
Se bem que um abraço teu fazia sempre tudo passar, e tu sabias.
Imagino que estivesses farto de me ver voar baixinho
e arranjar desculpas para não arriscar.

Como é que eu posso ser aprendiz de quem me sabe fazer feliz sem ti?
Eu queria fazer isto contigo. E já assim era dificil. Vai custar fazê-lo sózinha.

É uma armadilha, quando me sinto infeliz, fico aliviada por não estares cá a sentir-te como eu.
Quando o mundo parece um manicómio, fico aliviada por já não teres que viver nele
Quando as pessoas são cruéis e estúpidas, fico feliz por já não teres que as aturar.
Quando a vida não enche a alma, fico feliz por a tua alma se ter libertado.

Mas, quando sinto alegria, amor, esperança
Quando penso em ir a sitios bonitos, estar com pessoas generosas
realizar os meus sonhos, fico triste por não poder partilhar tudo isto contigo aqui.

Quando fico contente, fico triste.
Quando fico triste, fico contente.

E agora Tomé?
Há muitas coisas em que ainda tenho medo de acreditar.
Ainda estou a aprender a sentir-te na tua nova forma
Ás vezes imagino que tentas comunicar comigo de imensas formas e eu,
não consigo perceber metade e duvido da outra metade...
sempre que te imagino, imagino-te com o teu nariz agora invisivel encostado ao meu
e com o teu sorriso de "mãe! que tonta"

Foste tu que rebentaste o balão dos teus anos no nariz da Maria
exatamente quando eu lhe contei que te sentia na ponta do nariz?

É a ti que que eu vejo quando te vejo?
É a ti que eu ouço quando te ouço?
É possivel que esteja tudo certo e que o que sentimos a seguir à tua morte seja a verdade.
Então cada vez mais quero respirar fundo e escutar com toda a atenção.

És mesmo tu quem está conta de quem me disse:
"Não se preocupes Fátima, o Tomé toma conta de mim"

Acho que estou um bocadinho cega e surda pelo meu medo de enlouquecer.
Talvez o que eu imagino como enlouquecer, seja mesmo o caminho certo para desenlouquecer.
Porque me parece óbvio que por aqui todos nos portamos como loucos.
Curiosamente tu não, talvez por isso não cumprisses os requisitos para ficar por cá.
Podes ter tido muitas "maluquices" mas mesmo nos momentos de grande confusão,
não perdeste a lucidez de criança.
E  isso mais que tudo alegra-me.