Sem regras...


As pessoas são todas diferentes e como o Tomé sabia há umas que não nos sabem fazer felizes e outras que sabem. Com um mundo tão grande e tanta gente por aí, faz tanto sentido procurar as que sabem.
Hoje fui almoçar com a minha mãe a quem também morreu um filho mas nunca se falou disso - ainda hoje não tenho a certeza do nome dele. Conseguimos passar todo o almoço a falar de banalidades sem referir uma única vez o nome do Tomé. Durante um ano nunca ouvi da boca dela o nome do Tomé. A minha eu antiga teria ficado calada a ferver por dentro e saído magoada e ressentida. A minha eu actual, levantou-se e despediu-se. Sem ressentimento e sem mágoa. Ela acredita e pratica fingir que não se passou nada e esse é o luto dela, eu faço exactamente o contrário, esse é o meu. Sei que ela o ama à maneira dela, só que a maneira dela me faz mal e não preciso de ficar.
Passou um ano, sem químicos, mas com plantas, sem psiquiatra mas com a Milagros a cuidar de mim emocionalmente e a Sofia Pacheco a cuidar da energia, sem depressão mais do que momentânea. Com os meus três filhos no coração, e os filhos todos do mundo também. Por dentro somos todos pequeninos e é bom lembrar isso.
Há um ano atrás uma psicóloga do INEM chamada Silvia, entrou na minha casa com o meu filho Isac, para cuidar de mim se me sentisse mal. Senti-me mal mas aguentei-me. Ligou-me mais vezes para garantir que estava bem, eu estava bem, mas foi tão bom saber que ali estava alguém com força para me agarrar se eu precisasse. Ontem liguei para o INEM à procura dela.Hoje o telefone tocou antes das nove e não atendi, voltou a tocar várias vezes, não sabia quem era tirei o som, mas comecei a ficar preocupada, Era ela "não queria sair para a rua sem saber de si, vi que fazia hoje um ano e podia precisar de mim". Debulho-me em lágrimas a contar isto e sabe tão bem, são lágrimas boas, de gratidão. Fiz-lhe a pergunta que precisava fazer: "Acha que estou bem porque estou em negação?" "Não, você compreendeu o que tinha acontecido desde primeiro momento mas tem ferramentas que a maioria das pessoas não tem." É verdade, acompanho o luto dos outros há muitos anos. Comecei a fazer luto com a morte do meu irmão quando tinha 8 anos. Dessa vez uma morte silenciada, uma irmão a quem fiquei ligada em segredo por muitos anos, que invisivel, foi a minha força e a minha companhia, o meu anjo da guarda para sobreviver à minha infância. É definitivamente mais fácil para mim sentir-me abraçada e protegida pelos mortos do que pelos vivos. São histórias de vida que moldam a perceção do mundo de dentro para fora. E me prepararam para isto. Nós não falamos destas coisas não é?
Agora eu falo, pelo menos, e acredito que muitos dos que lêm vão saber do que estou a falar. Há algumas coisas que só podemos ter com os vivos e outras que só podemos ter com os mortos. Todas essas coisas são importantes e em todas pode haver amor e alegria. Se sou louca por pensar assim, por favor não me curem. Eu estou a começar escolher o que e quem me sabe fazer feliz.

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