Perder e encontrar



Tenho que respirar muito fundo para escrever desta vez.
De cada vez que escrevo é um mergulho no escuro. Uma vontade e um pânico de partilhar o que sinto. Mas a vontade de contar a história acaba sempre por superar o pânico.

Vai fazer em breve um ano que este blogue surgiu. Um ano é um marco como a primeira volta de uma espiral que vai rodar sobre si própria continuamente. Eu que sou uma pessoa que não tem noção de cronologia, que nunca sabe quando aconteceu o quê e o que aconteceu antes ou depois encontro-me agora aliviada por isto. Através do blogue vou poder saber onde estava há um ano e compreender o que mudou. 

Pelas imagens no facebook, reparei que fez há pouco um ano que nos juntámos no Vale do Silêncio e fizemos um Council com o Rob e o João. Um Council é uma coisa simples e orgânica, um grupo de pessoas junta-se em círculo e conta histórias acerca de um tema, um grupo de pessoas fala do coração e ouve do coração. A coisa mais simples e mais rara. E uma coisa mágica. 

Peço emprestadas as palavras do Rob:
A intenção do Council é estar ao serviço do todo, seja um grupo, uma equipa, uma família, uma relação. (...)
Não é uma diversão, nem uma terapia, mas pode ter um grande valor terapêutico. Não é uma ferramenta para um objetivo especifico, mas antes em envolver-se num processo que revela o que melhor funciona.

E ao mesmo tempo um Council é tanto mais... Há um ano o tema foi o Tome.
Não posso dizer ao certo a importância que este encontro teve para cada um dos participantes, sei que foi muitíssimo importante para mim. 
Há coisa que têm que ser ditas e feitas antes de poder avançar para algum lugar. 
E simplesmente não temos o hábito nem de falar do coração nem de ouvir do coração e isso faz com que tanta coisa estagne. 

No ano passado todo este tempo entre a morte do Tomé e este Council nunca estive sózinha, como família agregamos-nos sem pensar. Uma sabedoria do coração fez com que nós os quatro, a alma do Tomé, o Isac, a Bianca e eu, nos movêssemos como um durante muito tempo. Acordámos juntos e adormecemos juntos, na realidade dormimos todos no mesmo espaço fisico durante um mês. E além de nós os quatro não faltaram corações protetores, a Sofia que era a primeira a acordar e ainda me apanhava na cozinha a chorar de manhã e me ouvia com uma enorme paciência falar e falar sobre o Tomé e sobre nós. O Zé, a Iris, o Isac Achega, o Alex, a Mariana e a Maria "Mázona" A namorada, os colegas de casa e os amigos da Bianca que com toda a naturalidade e sem nenhum drama nos abrigaram, nos cuidaram, nos alimentaram de corpo e alma.

Tivemos oportunidade de começar a curar. Pergunto-me quantas pessoas têm esta possibilidade nestas circunstâncias. E deviam ter. Quantas pessoas depois de uma perda são empurradas de volta para a vida "normal" demasiado cedo, antes que a sua alma volte sequer ao corpo.

Este ano tenho estado bastante sózinha nos ultimos dias, filha e amigos de férias e as pessoas têm as suas próprias vidas.
Para toda a gente que me pergunta ou se pergunta como aguento, posso dizer que sózinha não aguento. Se tivesse que viver assim, preferia morrer. Preciso da minha tribo. Posso esperar que ela venha de férias mas não posso viver sem ela. Duvido que alguém possa. 
Eu não posso nada. Só nós podemos tudo. 

Tenho pensado e sentido muito sobre a perda (é engraçado, neste preciso momento sinto o Tomé mesmo pertinho de mim) e como perdemos tantas pessoas que estão vivas e nem damos por isso. E como talvez encontremos tantas pessoas que estão mortas e nem damos por isso. Perdi muitas pessoas na minha vida, a maioria delas está viva, como a minha mãe. Outros estão mortos, como o meu pai, mas muito antes de morrer já o tinha perdido e só o encontrei depois de morrer. O que é perder e encontrar? 

Por isso tenho vontade que aconteçam mais Councils, que cada vez mais haja lugar para falar e ouvir do coração. Para que não nos percamos uns dos outros enquanto estamos juntos aqui, para depois chorarmos quando já não estamos. 








Comentários

Mensagens populares