As lágrimas fazem parte da paisagem



Então aqui estou eu no meio de nada... a escrever no computador cá fora enquanto sou comida pelos mosquitos. Mas lá dentro está um calor terrivel. Já é completamente de noite. Aqui tudo acaba super cedo. são agora 21 horas e não há NADA para fazer até ir dormir.

Portanto uma vez que vim para ter tempo para pensar com calma e escrever, está certo.

Estou em Oikia Karapanou, um centro de retiros em Aegina.
Realmente não sei bem o que me deu para escolher vir aqui... são daquelas coisas que imginamos sem pensar muito e um dia damos por nós a dizer: Upss estou sózinha na Grécia... e nem sei como isto realmente aconteceu. Em principio não tinha o dinheiro, nem a coragem, acho que na verdade só acreditei quando cheguei cá. Acontece a todos :p

Ás vezes estas coisas acontecem-me, um impulso sem muito sentido e sei que só vou saber ao que fui, quando der de caras com a coisa.

Então cá estou... com o orçamento esgotado antes de começar estou a ajudar a Afroditi (sim é o nome de batismo) na cozinha em troca de comida. A Afroditi é uma pessoa muito especial e caramba cozinha como uma deusa.
Acho que me adotou, amanhã vou tomar café com ela e uma amiga. Estas três horas que passo com ela sabem super bem. É bom obedecer a alguém, não ter que escolher nem pensar durante 3 horas. Quando me engano ela corrige-me e já está. Fica feliz quando a lembro de por azeite nos Tomates Recheados, quando descasco alhos, quando espremo limão.. é fácil fazê-la feliz.

Contou-me que começou a cozinhar aos 10 anos porque precisava de ajudar a familia. Que tem espondilite e por isso desistiu de um curso de Botânica, que tem um dom para plantas e animais mas por vários motivos desistiu dos dois como profissão. E dá para ver que a cozinha é um dom também.
É daquela comida que faz suspirar e mastigar devagarinho. Gosto dela.

Na cozinha temos um gatinho dourado que a Afroditi salvou, quando chegou não sentia as patas de tras, agora já consegue andar aos bocadinhos. Dá para ver o amor dela por ele. Seres que conhecem a dor ligam-se fácilmente.

Ontem contei-lhe sobre o Tomé. É sempre um momento sensivel, não quero atirar o meu luto à cara de ninguém, mas sobretudo não quero escondê-lo. Eu chorei e ela abraçou-me. Prontos...
E falámos sobre ele sobre coisas que ainda não tinha falado com ninguém porque também eu ainda não as tinha percebido.

Os papeis das mães e dos pais, dos pais quase sempre ausentes, física ou emocionalmente, das mães que já não confiam nos homens e ainda assim querem criar filhos que confiam em si próprios. Dos pais que não tiveram pais, ou pior ainda que viram um pai que não querem ser. Da dificuldade de ser homem ou mulher numa relação. Das famílias sem homens. Dos traumas da guerra e como ainda nos afetam tanto. Dos residuos da ditadura que continuam colados à pele de tantas formas invisiveis aos olhos. Da nossa confusão de pais que querem dar o que na maioria dos casos não tiveram. Um modelo humano, viável.





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