O papão e o anjo da guarda


Tem sido difícil adormecer. Quatro, cinco da manhã.
Tenho medo do escuro, tenho medo de dormir sozinha numa casa desde sempre. Mesmo que seja a minha. Quando durmo em casa sozinha, mesmo com o meu cão Migalha deixo sempre uma luz acesa. Aqui também deixo uma luz acesa mas ainda assim não é fácil.

Aqui em Aegina fico numa casa pequenina ao lado da casa da família que me recebe. Eles estão tão perto, e no entanto não consigo dormir. Fico alerta. Sinto isso como uma reacção de bicho separado da tribo. Para mim parece normal, mas claro, não conheço outra coisa. Ao longo do tempo apercebi-me que não é tão comum. Tenho vergonha. Parece uma coisa tão infantil e imatura.

Hoje lembrei-me de uma memória de infância, ao principio não estava segura se era real ou não. Lembro-me de em criança não conseguir dormir e ir deitar-me aos pés da cama dos meus pais, com muito cuidado para não os acordar. Também me lembro de mesmo assim os acordar e ser expulsa para a minha cama, de volta para os meus fantasmas.

Eu era como o Calvin, havia monstros debaixo da minha cama. Porque será que os há debaixo das camas de tantas crianças? Lembro-me de tapar a cabeça para os monstros não me verem, de aprender a controlar a respiração para eles não perceberem que eu estava com medo.
Não me lembro de "ver coisas" mas lembro-me de "sentir coisas" e continuo a sentir até hoje. Parece que estão à espera de me apanhar sozinha para me assustar.
Ontem aconteceu uma coisa ridicula. Lembram-se da brincadeira da Maria Sangrenta? Não imagino porquê ontem veio-me à cabeça. A frase não me saia da cabeça. Ok, entre nós, lavei os dentes sem olhar para o espelho e a cantarolar outras coisas. Tenho medo da Maria Sangrenta em si? Não, tenho medo dos papões na minha cabeça. Lembram-se do papão, que vinha pela janela buscar-te se não comesses a sopa toda?

Será por isso que temos tanto medo do que sentimos, mas não conseguimos ver?

Hoje cheguei à cozinha e contei à Afroditi. Ela também me contou as histórias dos medos dela. Disse-me que nunca fechava a porta à chave até que um dia o companheiro começou a viajar em trabalho e começou a fechar a porta. A certa altura compreendeu que quando fechava a porta, fechava a porta e o medo ficava lá dentro com ela. Deixou de a fechar.

Por isso a Afroditi encontrou uma solução para mim. Um anjo da guarda. Chama-se Gurgurina e tem a forma de um gato bebé. A Afroditi emprestou-me o seu gato bebé para dormir ao pé de mim para eu não ter medo... :)



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