Estar em casa



Então aqui estou a caminho de Atenas, oscilando entre a ansiedade e a calma. Com o pensamento muitas vezes no Tomé, o que me faz chorar e rir nos locais mais estranhos... trouxe a t-shirt que ele tem vestida comigo. E depois de escrever este texto não podia escolher outra imagem senão esta.

É engraçado como tantas pessoas pensam que sou uma pessoa calma. Já expliquei que não sou calma, sou controlada. Se não fosse controlada não poderia viver uma vida normal. 

Nós, as pessoas "calmas" aprendemos cedo que é mais difícil voltar a controlar-se depois do descontrole do que manter o controlo logo de inicio. E geralmente aprendemos isso no decurso de uma infância bizarra. Eu diria que bizarra é uma óptima palavra para descrever.

Adoro ler descrições dos adultos do ponto de vista das crianças, são tão incrivelmente incisivas. Como ainda não têm véus conseguem ver de formas que já não conseguimos ver-nos, nem conseguimos ver os outros. Com uma mistura de incredulidade e bom senso.

No mundo das crianças os adultos não fazem sentido. E não acho de todo que estejam a ver mal. Normalmente resta tão pouco de selvagem em nós ao fim da infância que dificilmente somos reais. Comportamos-nos como personagens de uma história que escolhemos para nós próprios e encaixamos os outros nessas história. Até as crianças. 

O caso é que como crianças compreendemos muito mais do que se imagina. Lembro-me perfeitamente de perceber que os adultos estavam a actuar, simplesmente não percebia porquê. Era muito assustador. Seria eu a única pessoa a sério e os outros todos actores?
É tão assustador que temos que afastar essa ideia da cabeça sob risco de enlouquecer. 
E enterrá-la num sitio tão remoto que já nem nos lembramos dele.

Lembro-me claramente de um dia hà muitos anos com a minha amiga Maria João, O exercício era fechar os olhos e dizer como saberia que tinha chegado a casa. O que me veio à mente foi uma caminho no meio de ervas altas e uma fila de pessoas que vinha ao meu encontro. Á frente vinha um homem jovem com barba que olhava para mim nos olhos. 
Quando abri os olhos sabia a resposta, saberei quando chegar a casa porque serei recebida sem medo nos olhos. Sem cautela. De uma forma selvagem.

Há poucos momentos assim. No meu trabalho como terapeuta sei que é comum as pessoas passarem pela vida sem isto. Sem estarem com outro sem medo e sem que outros estejam com elas sem medo. Pode parecer repetitivo mas é a tal coisa do coração aberto. Não sei dizer de outra maneira. E é muito mais do que dizer Namasté. 

Não acho que devamos estar de coração aberto a toda a hora. Temos que saber pesar e medir os riscos. Há por aí tanta gente que está em sofrimento e que ataca antes de fazer perguntas. O coração é demasiado precioso para ser exposto desprotegido. Mas é essencial encontrar sítios onde largar o personagem ou parte dele e treinar esse estado, de estar em casa. Os nossos corações magoados precisam disso para poder recuperar. Pelo menos o meu precisa, e o teu?

Comentários

Mensagens populares