"It takes a village to raise a child"

É difícil ser pai, é difícil ser mãe, quem ache o contrário passe a receita. É bom, maravilhoso e difícil. Sobretudo para quem não quer apenas repetir o que fizeram consigo, se se adicionar a isto fazê-lo a solo como tantos e tantos pais e sobretudo mães o fazem, ufff, caramba. E no entanto se olharmos só para as aparências parece que tudo corre bem. E que o que acontece mais tarde na vida, é da culpa da criança que cresceu e agora é um homem ou uma mulher que não consegue funcionar como "devia".

Muita criança a crescer com trauma porque não é uma prioridade ajudar os pais e mães a saberem melhor. Porque ainda se pensa que a criança é sobretudo responsabilidade dos pais e que ninguém mais tem a ver com isso. Tipo quem os fez que os ature. Como não queremos ajudar, resta achar que não há problema nenhum. Que vai tudo correr bem. Pois, ás vezes não, ás vezes corre muito mal e aí diz-se que foi azar.


Continuamos vezes demais a fingir que as dependência, o suicídio, a depressão, a violência doméstica os acidentes, o cancro, os nossos graus de sucesso na vida em geral e nas relações em particular e outras coisas mais, não têm anda a ver com a infância, nem como a forma como somos educados, não têm nada a ver com a forma como educamos. Tenho trabalhado cada vez mais com famílias, com pais que querem fazer diferente do que fizeram com eles e percebem que precisam de ajuda. E mesmo com ajuda não é fácil. Com pais que para mudar têm que reconhecer que há um problema na forma como estão a educar os filhos, e que esse problema já causou danos. 


Não sei se há dor maior do que essa, a de saber que pela nossa mão, os nossos filhos foram marcados e não foi na direcção da alegria... ufff, não sei se há alguma coisa mais difícil nem mais necessária. 
Ao longo da minha vida com mãe muitas coisas aconteceram, a certa altura comecei a amparar-me numa expressão: "este é o meu melhor e o meu melhor tem que chegar." Wishfull thinking desesperado. O meu melhor não chegou, o meu filho morreu. E sim, em parte sou responsável. Divido essa responsabilidade com muita gente, podia fazer uma enorme lista. Passaria por professoras primárias deprimidas, assistentes sociais insensíveis, e muitos outros que de uma forma ou de outra, dando o seu melhor, o seu melhor não chegou. Porque o melhor individual não chega para criar uma criança, é  precisa uma tribo, é precisa consciência das consequências dos nosso actos educativos e não só. 


É preciso consciência de como a nossa história pessoal, a nossa infância os nossos traumas passa para os nossos filhos, é preciso uma tribo estruturada para amar e apoiar as famílias, para apoiar a mães e pais que criam filhos sozinhos como a primeira prioridade de todas.Os pais não são os maus da fita, os avós não são os maus da fita, neste caso o único mau da fita é a falta de informação e a falta de apoio recíproco. A falta de estruturas preventivas que invistam em antecipar os problemas em vez de os curar, até em termos económicos é mais rentável. E no entanto não se faz? Porquê? Porque para isso teríamos que mexer nas nossas vidas pessoais, olhar para onde dói nas nossas histórias, partilha-las pedir ajuda, ultrapassar as vergonhas e os medos. E em vez disso é mais fácil fechar os olhos e esperar que corra tudo bem.

Se calhar é cruel, mas há uma canção que diz "sometimes you need to be cruel to be kind", os filhos pagam o que nós fugimos a olhar. Eles vão receber a conta daquilo a que nós fugirmos a resolver. É uma herança emocional e de trauma que a ciência começa a compreender, finalmente. 
O trauma é transgeracional, não importa se o escondemos, se o ignoramos, se achamos que já passou, ele deixa marcas.

Desde o principio tomei a morte do Tomé como uma escolha de alma, não tenho a certeza de nada. Só sensações que vão variando no tempo. Mas o que leva alguém a uma escolha de alma assim? Ou sem pensar em alma, o que leva a um acidente assim? Uma das coisas foi a minha própria cegueira perante o sofrimento dele, doía-me demais, tocava nas minha feridas, mexia com o meu passado de demasiadas formas. Eu não soube fazer melhor e o meu melhor não chegou. 
As vezes vejo como em tantas pequeninas coisas devia ter sido diferente, como as pequeninas coisas que podiam ter sido diferente podiam ter feito a diferença entre a vida e a morte. E dói, porque não posso voltar atrás. Não há segunda volta.

Com a maior parte dos filhos a coisa não será tão obviamente dramática. Mas às vezes pouco menos. Todas as semanas falo com uma série de pessoas que têm que se erguer todos os dias das sombras da infância, que carregam uma história que é como uma mochila pesadíssima da vida e que o fazem com tanta graciosidade como conseguem. E muitas vezes são envergonhados e maltratados pelas marcas que carregam, como se bastasse força de vontade para as ultrapassar.

O Tomé morreu, mas tu estás vivo, se tens filhos, espero que também eles estejam vivos, quando o teu melhor não chegar pede ajuda. Não estás sozinho, não há nada de que ter vergonha. Para muitas pessoas, eu sou uma delas, a infância foi algo a que se sobreviveu, mas onde se deixaram bocados. E preciso resgatar esses bocados, e não e uma tarefa individual é uma colectiva. Porque os bocados que perdemos fazem parte da herança integra que precisamos deixar. 

O meu melhor não foi suficiente e eu não consegui a ajuda de que precisava para o Tomé. 
Da minha infância transformei a dor num processo de ajuda a outros, para que outras pessoas não tivessem que passar sozinhas pelo que eu passei,  porque eu precisava de encontrar um sentido.
Da morte do Tomé ainda estou à procura, como mãe sinto mais urgência em que outros jovens não passem pelo que o Tomé passou. Sinto-me mais chamada pelos filhos do que pelos pais, Mas também sei que é dos pais que os filhos precisam, não de mim, nem de outro terapeuta. Os pais são insubstituíveis. E é a eles que os filhos seguem. 


Gostava que a morte do Tomé servisse para abrir corações, para hoje olharem para os vossos filhos, amores, amigos de outra forma. Sabendo que o que fazem ou não fazem, o que dizem ou não dizem, faz toda a diferença. Que vão a tempo, mas não têm todo o tempo, que o tempo que têm é hoje, é agora. 

Como o Tomé escreveu, como se pressentisse:


...pois apesar de tudo ninguém sabe as voltas que a vida dá
e quando ela der quem te garante que eu ainda esteja cá?
Não deixes para amanhã, faz hoje,
não te arrependas, antecipa-te....

Para os que também perderam filhos, só posso dizer que tudo tem redenção, tudo pode ser perdoado, até isto nos pode ser perdoado, não termos conseguido protegê-los, salvá-los, não sei como, mas não vou deixar de procurar descobrir. Dói muito,  mas é o único caminho, é uma dor que acalma o coração e alimenta a alma. 

Comentários

  1. Minha querida...isto e do caraças. Desde pequenos pus os meus filhos numa escolinha para que tivessem outras referencias e capacidades. Foi a minha maneira de lhes dar uma tribo.

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