Dia 3 - Porque é que o Tomé morreu? Parte uma de muitas...



E pronto, aconteceu ao terceiro dia... ontem não escrevi no blogue.
O que me vale é que tenho 30 dias para escrever 20 textos, um por cada ano desde o nascimento do Tomécas. O que me dava uma folga de 10, agora 9 dias de silêncio.

Há dias que não chorava por saudades do Tomé. Não chorar é mais estranho do que chorar. Parece que quer dizer que não o sinto e não me importo, e não é verdade. É mais fácil fazer coisas em memória do Tomé do que manter presente a ligação de coração com ele, e é essa que mais me importa. Ontem a imagem final de um adolescente a skatar em direcção ao por do sol com a namorada fez as lágrimas vir ao de cima. E mais uma vez ao chorar senti-me melhor, senti-me mais inteira, mais ligada. Hoje fui janta sushi ao miradouro da Senhora do Monte, como fiz com ele em noites de calor, foi bom.

Talvez possa parecer que tenho muitas respostas, mas tenho imensamente mais perguntas. Ás vezes até as respostas que tenho são em si perguntas. 
Há poucas semanas finalmente alguém me fez a pergunta mágica: 
Porque é que o Tomé morreu? 
Tcharan!!! A pergunta que ninguém quer fazer porque a resposta pode incomodar-me ou pode incomodá-las. Assim que a ouvi a sensação foi alívio e gratidão. Finalmente alguém, em vez de tentar impedir que eu fale nisso me faz a pergunta directamente. E não, a pergunta não foi como morreu, mas porque morreu. Referia-se ao conjunto de acontecimentos que culminou com o acidente. Foi maravilhoso, fazia-me tanta falta ouvir essa pergunta.

Tem sido incrível o que tenho aprendido desde a morte do Tomé. O difícil é compreender que o que eu sei agora talvez, e esse talvez é enorme, pudesse ter-lhe salvo a vida. Mas não sei se, se ele tivesse vivido eu teria encontrado as respostas, porque ainda não era capaz de fazer as perguntas. Há perguntas muito difíceis de se fazer. 

Uma das coisas que aprendi é o impacto do stress na gravidez na maturação do cérebro de um feto. Se a mãe está stressada e tem níveis de cortisol altos por períodos longos isso afeta a maturação do cérebro do feto. O feto ao ser alimentado pelo sangue da mãe recebe todas as hormonas quer do relaxamento quer do stress. Essa "comunhão" de experiências destina-se a preparar o bebé para o ambiente em que vai nascer. O bebé quando nasce é tudo menos uma página em branco.

Talvez algumas pessoas pensem, para quê falar nestas coisas? Não podemos fazer nada. Se calhar podemos, precisamos falar nelas. Pelas crianças que já cá estão e sofrem as consequências de uma gravidez stressada, pelas que ainda estão  no útero e pelas que ainda nem estão. Levantar estas questões é urgente e essencial para podermos compreender como a humanidade funciona, como mudar a forma com funciona e claro no detalhe deste blogue, porque morreu o Tomé.

Preciso de tempo e calma para ir contando esta história. Contá-la porque as teorias mudam a mente, mas só as histórias mudam o coração, e é o coração que pode fazer a diferença. 

Muitas pessoas têm dito que o que aconteceu ao Tomé é normal, que ele era adolescente e os adolescentes correm riscos, que não foi nada que eu tenha feito ou deixado de fazer, que foi só um acidente. Essas pessoas são bem intencionadas, mas há coisas que vale a pena pensar, se me tranquiliza ou me ajuda mais pensar que o Tomé era um qualquer anónimo adolescente que teve um acidente estúpido porque bebeu de mais, ou que o Tomé teve um acidente porque havia muitas circunstâncias na vida dele que o estavam a perturbar e nas quais muitas pessoas incluindo eu não o conseguiram apoiar nem ouvir. 

O Tomé não era um adolescente irresponsável, era um ser humano maravilhoso que estava em sofrimento por si e pelos outros, como muitos outros seres humanos especialmente adolescentes. E é preciso assumir responsabilidades. É tão importante nós os adultos começarmos a assumir responsabilidades, em vez de culparmos as crianças e os adolescentes, pelas consequências da dor que nós próprios lhes causamos ou não conseguimos evitar. Mesmo não sabendo as respostas, temos que fazer as perguntas. Algumas vezes a nós próprios, mais vezes ainda aos próprios adolescentes e crianças, e, sobretudo ouvir as resposta, mesmo quando essas respostas apontam para a nossa responsabilidade no seu sofrimento. 

Vivemos numa sociedade um tudo nada medonha... em termos de violência, solidão,
depressão. Será que são os criminosos, os solitários e os deprimidos que são fracos? Ou serão uma consequência inevitável da forma como permitimos que o mundo seja, que nos permitimos ser? Quase toda a gente que conheço quer a mudança, mas poucos se querem assumir como responsáveis por alguma coisa. É claro que é tentador ficar do lado dos justos, mas sabem que mais? Ser adulto e inocente é incompatível.... Todos somos responsáveis em certa medida. Só os responsáveis podem mudar. Ser irresponsável nos tempos que correm, é um bocadinho o mesmo que ser impotente. E este tipo de impotencia não se cura com Viagra. Eu acredito que para a maioria essa tomada de responsabilidade é possível e que daí podem vir coisas maravilhosas. 

Por isso não prescindo da minha responsabilidade na vida e na morte do meu filho. É só tomando essa responsabilidade que posso dar dignidade à vida dele, ao seu destino e ao meu. 
Não uma responsabilidade que debilita, mas uma responsabilidade que possibilita transformação e clareza. 

E assim a modo que de bónus, aqui vai o Trailler de um filme que espero em breve ver na integra em Portugal. Talvez trazido pelo Projeto Aprendiz, quem sabe. Adorava que tivesse legendas, mas não tem... se não  compreenderem bem, podem sempre ver com um amigo que traduza :)




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