O que aconteceu com o Tomé

Já percebi que há muitas pessoas que não sabem o que aconteceu com o Tomé, e gostavam de saber, faz todo o sentido. Até já ouvi teorias engraçadas sobre como ele estava a trabalhar nas obras e caiu... a imaginação completa o que falta e faz falta saber para conseguir compreender. No entanto tenho dado por mim a adiar, adiar, por alguma razão é mesmo dificil, mas pronto "ready or not" é hoje.

O Tomé teve um acidente, caiu de um andaime. Estava sózinho e por isso ninguém sabe exatamente porque subiu, depois de falar com vários amigos, parece-me que gostava de ver o nascer do sol de sitios altos. Tinhamos tido um fim de semana muito alegre, nesse dia o Tomé tinha comprado uns óculos de sol novos, estava feliz, super feliz por ter vindo de um curso no Algarve no Projeto Novas Descobertas, tinha sido escolhido para monitor de campos de férias no fim de Agosto, estava tão entusiasmado. Ia no dia seguinte começar a tratar do passaporte para ir conhecer a familia do pai a Angola. Daí a poucos dias ia de férias com a irmã para o sul de França. Quando nos despedimos nessa noite já sabia que o ia ver pouco até Setembro, assim como o tinha visto pouco todo o Verão. A vida dele estava preenchida com tantos sonhos. Quando ele saiu fique a publicar as fotos do fim de semana no facebook, uma delas a que ilustra este post. Pensei que não devia ser tão orgulhosa dele, tão orgulhosa de nós, mas publiquei na mesma, não resisti. Acreditam que uma das coisas que me assombrou foi que a morte dele tivesse sido um castigo pelo meu orgulho?
Lembrei-me de em criança dizer à minha mãe uma coisa tão honesta como só uma criança consegue dizer e que a deixou muito zangada "estou tão feliz que não me importava de morrer agora"
Não há realmente nada que explique o choque de uma situação assim, mas foi muito, muito diferente do que imaginaria. Uma calma sobrenatural.
Escrevi sobre isso aqui na altura (clica aqui se quiseres ler)
Foi o meu filho mais velho Isac quem me deu a noticia. Por um milagre o Tomé passou num hotel onde um amigo do Isac trabalha para pedir um copo de àgua, antes de subir ao tal andaime. Por isso esse amigo se apercebeu do que se tinha passado e o Isac ainda chegou a tempo de ter a certeza que os paramédicos fizeram tudo para o reanimar. Foi muito dificil para o Isac, acho que nem eu nem a Bianca iamos aguentar, mas ele esteve lá e aguentou por todos nós, sabemos que o Tomé teve alguém que o amava ao lado dele nesse momento.
Assim que soube o que se tinha passado, a minha primeira preocupação foram os meus outros filhos, e como minorar o trauma para eles, apesar de saber que são fortes e der ver que estavam a conseguir pôr imediatamente o amor primeiro, também sei muito bem os efeitos de um trauma não cuidado. Felizmente há muito tempo que trabalho com pessoas maravilhosas e pude recorrer a elas. Tenho a certeza que fez toda a diferença. Tanto eu como o pai do Tomé conhecemos a Odille Beauvillain, ela trabalha há muitos anos com familias e crianças em estado terminal, sempre a admirei também por isso, sem imaginar o quanto essa capacidade maravilhosa dela nos viria a ser importante, ela veio de propósito de Cascais de muletas para nos apoiar e recusou-se a receber um cêntimo por isso, trabalhou por amor, estou-lhe imensamente grata. Pedi a toda a familia para estar presente com ela, e todos estiveram, quando ela terminou, por alguma razão abri o computador e encontre numa sticky note este texto do Tomé que até agora só tem sido partilhado parcialmente, sem a primeira parte, imaginem o que senti quando li exatamente isto:

"deixo.me levar pelo vento ao sabor da tempestade aproveito o voo que antecede a queda e sinto uma sensaçao de adrenalina  e caio no vazio sem ter onde me agarrar dou por mim num lugar que nao conheço apercebo.me dos meus defeitos e dos outros tento ignorar a hipocrisia que paira no ar e como uma doença que nao para de se epalhar por tudo quanto e parte deixo de sentir para deixar de sofrer tenho em mim todas as dores do mundo que e fazem querer ser uma pessoa melhor mas a cada dia que passa  ha uma dor maior que me cai sobre os ombros e me deita ao xao fico parado sem reaçao estou estagnado sem ambiçao foi.se a criatividade e a nao açao e tudo foi em vao por uma pequena distraçao poe.te na linha tomatoma atençao  ouve este conselho de irmao para irmao e ve.te ao espelho outra vez deiz.me o que ves sente a tua mente inocente a divagar e deixa.te levar para outro lugar onde possas reomeçar e ser livre voltar a aproveitar a  vida crescer e sair desse eco sem saida, a descida e fodida pq ai todos os santos ajudam para subir so quem te ama e te cuida e que te faz evoluir, progredir rumo à paz ao suceso longe do retroesso vais sempre a tempo para recomeçar e voltar a amar. sê aprendiz de quem te sabem fazer feliz."

um texto do Tomé, escrito pouco tempo antes onde ele descreve quase exatamente o que imaginamos que lhe aconteceu. Li-o para todos e creio que cada um o interpretou à sua maneira, alguns como uma coincidência. Para mim foi uma mensagem pessoal da alma do Tomé, sinto que ele pressentiu de alguma forma o que se ia passar e não imagino como, o seu supraciente, encontrou a maneira de fazer passar uma mensagem para nós. Para mim é mais uma prova de um amor muito grande e uma consciência muito pura que ele tem. Claro que sei que posso estar errada e ser apenas uma coincidência, ou uma lista delas.
Tem sido mais fácil e mais dificil ultimamente, uma das coisas mais dificeis é que está realmente a ser mais fácil, vamos sobreviver, mais que isso vamos voltar a viver. Mas não é a mesma vida. Como todas as grandes crises, exige também a nós uma morte e um renascimento, só quando conseguirmos deixar morrer a vida em que o Tomé estava fisicamente connosco e abraçar esta nova vida em que não está, poderemos voltar á vida. A vida tal como a conheciamos morreu. Se quisermos viver nela também nós vamos estar mortos, não em corpo mas na alma. Como vamos conseguir abraçar esta nova vida eu não sei. Ainda está agora a começar. A minha filha disse-me uma coisa muito importante, é preciso chegar a um dia em que não queiramos voltar atrás. Conheço poucas pessoas que consigam ser honestas a este ponto numa situação destas. Estou muito, muito grata pela minha família, a de sangue e a da alma, a que está aqui em corpo e a que está aqui de outras formas... não trocaria nada, não fugiria de nada. É claro que por esta altura estou a chorar como uma Madalena arrependida. Lembo-me logo do Tomé muito pequenino a fazer os trabalhos de casa na mesa da sala, enquanto uma amiga minha se debulhava a chorar no sofá, e eu muito preocupada disse-lhe: "Tomé, ela está a chorar mas está bem, não te preocupes" e ele responde-me como se eu fosse tontinha: "Mãe...! eu sei que chorar faz bem!" Eu também sei que chorar faz bem :)