Dia da mãe


Sendo hoje o dia da mãe até podia ser que me sentisse mal, mas não, tenho tido tempo para estar comigo e estou tranquila. Hoje de manhã estive num grupo e uma pessoa que não me conhecia perguntou-me: 
"Quantos filhos tem?" e para mim a resposta é clara, tenho três filhos. Não deixo de ser mãe de um filho porque ele morreu. E a pergunta não doeu e a resposta não doeu.
Depois veio a segunda pergunta: 
"E eles já são autónomos?" Olhei para dentro e sorri... mais autónomo deve ser dificil. E mora longe também :)
Pensei se devia contar a verdade ou omitir, e omiti. Não porque me custasse falar, pelo contrário, necessito falar, não há nada sobre que tenha mais vontade de falar.

Não falo mais apenas por medo de me tornar obssessiva junto dos amigos e com os desconhecidos para evitar o momento estranho em que toda a gente congela.
Já passei a fase de ficar zangada por essa reacção, lembrei a sensação que tinha quando o tema era trazido até mim. Só não fugia quando não podia. Eu era das pessoas que nem seguro de vida fez por superstição, e que tinha imensa angústia acerca da morte.
Simplesmente não sei o que fazer, como  falar do Tomé de forma que seja tão natural quanto possivel, sem forçar nem esconder. Porque não sei se alguém alguma vez vai saber quem eu sou sem saber disto. Ou talvez já agora seja dificil saber quem eu sou porque há tantas coisas de que raramente falo, para não chocar o outro.
Quanto a nossa vida se torna uma farsa por tudo o que não dizemos?

Tive essa sensação hoje, quando falei de tudo menos "disso", no tal grupo, como impossibilitei compreender o que queria dizer quando falei da minha zanga e frustração por ser tão dificil fazer aquilo que sinto que está certo. 

Não lhes expliquei que estava a falar da escola do meu filho... Como reage uma escola à morte de um aluno? Pelo total silêncio. O meus três filhos andaram nesta escola. E nem uma palavra. Teria gostado que alguém tivesse ligado, perguntado como podiam homenagear o Tomé, o que gostariamos, como podiam ajudar..  O que podiamos fazer em conjunto para ajudar a tornar este processo mais fácil para os colegas. Mas não, fomos nós família, no meio do luto, que tivemos que pedir à escola o favor de poder fazer isso nas suas instalações. E durante este processo ninguém da direcção sequer falou pessoalmente comigo até ter pedido formalmente uma reunião... nove meses passados. 

Então o que está errado? Porque tenho que sentir que era melhor para todos se ficasse quieta e deixasse esquecer, fingir que não aconteceu? Felizmente tenho tanta informação a dizer-me que não estou maluca, que é importante fazermos o que estamos a fazer, senão acreditaria que sim, e é lixado.

Conseguimos fazer e colocar o mural, mas não chega. Seria importante dar espaço às pessoas, alunos, professores funcionários para falar sobre o que sentem com o mural e não apenas largá-lo lá e deixar cada um sózinho com os seus sentimentos. Só que não há tempo... há coisas mais urgentes claro, os exames, a matéria do programa. Mas o que fazer quando aquilo que não está no programa é importante? E necessário? 

E no entanto, no meio de lidar com o meu luto e a minha perda consigo compreender porque reagem assim, enquanto eles aparentemente não comprendem porque reajo eu assim. E é lixado. Era bem mais fácil não compreender, insultar pessoas e partir coisas... garanto que apetece. Mas não leva onde eu quero ir. Seria um alivio temporário mas um retrocesso. 

Então respiro fundo e volto a avançar devagarinho, um passinho de cada vez, e não o faço por ser corajosa, nem por ser louca, faço-o porque não tenho outra hipótese, é a minha forma  e não posso mudar isso. 
Se há uma coisa que aprendei foi que nós não temos tempo, é o tempo que nos tem a nós. Então é melhor não deixar para amanhã, não adormecer na facilidade. Vale a pena insistir e não desistir... não desistir de sentir nem de agir.. e tentar manter o coração aberto mesmo quando doi.

Sabem o que o Tomé sabia?
"... pois apesar de tudo ninguém sabe as voltas que a vida dá
e quando ela der quem te garante que eu ainda esteja cá?
Não deixes para amanhã, faz hoje,
não te arrependas, antecipa-te..."




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