Querido Tomé



Querido Tomé
Lembras-te de quando brincava contigo e dizia que tinha ido a África só para te conhecer o teu pai e tu poderes nascer?
De quando brincava contigo e te dizia quão feliz estava por nos termos encontrado nesta vida?
De quando brincava contigo acerca de tu quereres tanto nascer que tinhas furado o preservativo?
Lembras-te de te ter contado que quando fiquei grávida de ti, todos me disseram para abortar,
porque não tinha dinheiro para sustentar os filhos que já tinha, muito menos a ti?
De te ter contado que fui à parteira para marcar o aborto,
mas chorei tanto que ela me mandou para casa?
De te ter dito, que ter decidido ter-te contra toda a lógica, foi a melhor escolha da minha vida?
Lembras-te quando te chateavamos a dizer-te que te lambi quando nasceste
só para experimentas o que os animais sentiam? 

Lembras-te como diziamos as mesmas palavras ao mesmo tempo?
De como conseguiamos entender-nos com um olhar?
De te dizer o quanto estava grata por me teres escolhido como mãe?
Sabes que ninguém me chama tótó como tu?

Faz-me chorar agora lembrar-me destas coisas e muitas outras, mas está certo.
Sei que se pudessemos falar os dois iamos pedir desculpa pelo que aconteceu
que os dois iamos lamentar tanto já não estarmos do mesmo lado da vida.
E quero sobretudo que saibas que não te culpo de nada e vou tentar não me culpar a mim
os dois fizemos o melhor que sabiamos e não chegou para te manter cá.
Se a morte é um fracasso, falhámos. Mas sabes, não acredito nisso.

Agradeço-te tanto por teres cuidado de mim durante todos os anos que estivemos só os dois.
E lamento porque sei que muitas vezes foi pesado para ti.
Mas não havia mais ninguém.
Lembras-te de quando falámos sobre sermos uma família disfuncional
e nos rimos tanto, porque nem isso fazia mal.

Quero que saibas que sempre que quero consigo sentir amor como se
estivesses ao meu lado. Mas ainda assim tenho tantas saudades de te abraçar.
Que ninguém consegue ser parvo com tanto encanto como tu.
Que sinto falta até de me zangar contigo porque chegaste tarde e não ligaste.
Quero que saibas que escolhi deixar-te voar, em vez de te cortar as asas,
mesmo sabendo que podias cair como caiste. Eu sabia os riscos que corria.

Onde quer que estejas fazes parte de nós.
Sinto que já te conhecia muito antes de teres nascido, talvez por isso embora sinta a tua falta
não sinta que te perdi.
Não me lembrei nunca das outras vidas que posso ter tido contigo, mas sinto que te reconheci, que nos reconhecemos e que nos escolhemos nesta vida.
Confio que estamos ligados e que de muitas formas ainda comunicamos.
Acredito que quando nos reencontrarmos nos vamos reconhecer,
mesmo sem nos lembrar-mos da história.

No fundo tudo o que quero é mesmo que estejas em paz e que saibas que te amo, te amamos, incondicionalmente e que ao nivel do amor não há culpas.
E eu também vou tentar ir-me lembrando disso.


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