Dia 9 - Miss you


Tenho tido vontade de escrever para o Tomé, mas não é fácil. 
Nem sei porque é tão dificil mas é. Talvez  tenha medo de estar a escrever para nada, para ninguém. Não o tenho sentido perto. Já há um bom tempo. Não sei se ele por aqui anda e eu não sinto, se simplesmente se afastou ou se nem sequer aqui estava quando eu o sentia tão claramente.

No ano da morte do Tomé (fica tão literário assim) no inicio do ano, várias coisas aconteceram de estranho, aquele tipo de coisas que têm importância mas não sabes porquê. 
Uma foi que pensei que nesse ano queria dizer muitas vezes "não sei" e "tens razão". Coisas que achava que as pessoas, incluindo eu diziam pouco e que podia fazer diferença. Outra foi que a partir de certa altura deixei de conseguir dizer "vou fazer isto", mesmo nas coisas mais simples e só conseguia dizer tenho intenção de isto ou aquilo. Alguma coisa em mim me dizia fortemente que não estava a controlar muita coisa. Que bem podia fazer planos mas aconteceria, o que aconteceria, independentemente deles. A terceira coisa e a que mais me impressiona agora quando olho para trás foi um sonho em Junho de 2014, o ano da morte do Tomé. 

"Vou de carro com a minha mãe a descer uma rua perto de casa, de repente  em camera lenta vejo o banco de tras do carro a voar por cima de mim, percebo que foi uma batida de trás, muito rápido percebo  que é um camião enorme e que vai passar por cima do carro, sinto o carro a esborrachar-se por cima de mim e penso que vou morrer, começo a ficar mais apertada, já deitada de lado, sei que não posso fazer nada e resta-me esperar para ver se sobrevivo, tenho ideia que por esta altura já devia ter morrido mas continuo viva, tenho alguma esperança de sobreviver, toco na cabeça e sinto sangue mas não me doi nada. Fico á espera que o camião acabe de passar e nesse momento acordo, relativamente calma, o coração nem estava a bater mais nem nada, e fico mesmo espantada por não ser real. Acordei sem ter a certeza se sobrevivi, nem ideia nenhuma de se estava muito magoada. Foi super forte e fiquei a pensar nisso até hoje.  Sinto que posso perder uma coisa importante para mim e isso está a angustiar-me,"
O sonho impressionou-me tanto que o partilhei num grupo de mulheres - por isso tenho esta descrição tão clara - e pedi interpretações, esta foi uma delas, a da Inês Duarte:

Algo está a passar por ti que te está a deixar quase morta. Esse acontecimento é bastante forte e só estás à espera que passe e que no final sobrevivas sem muitas mazelas. A adrenalina do momento não te deixa sentir as feridas que tens (a cabeça com sangue mas que não doí), mas elas estão lá. O facto de estares com a tua mãe significa que a tua parte materna ou melhor aquilo que a tua mãe espelha de ti está também a ser afectada por este acontecimento. Assim aquilo que gostava de salientar apesar de estares consciente do que se está a passar contigo é teres atenção à ferida que agora não doí, mas que depois vai doer e pode até originar a morte. Como aquelas pessoas que estão gravemente feridas mas não sentem nada e ainda conseguem ter força e momentos muito lúcidos para depois caírem para o lado. 

Eu sonho imenso, quase todas as noites, não havia razão para este sonho me ter impressionado tanto, foi um sonho quase lúcido, senti como um aviso, não sobre uma coisa que estava a acontecer, sobre uma coisa que ia acontecer. O que me tem dado que pensar. Não que procure uma explicação racional, há coisas que não ser podem racionalizar sem as destruir. Algo que não posso impedir que aconteça, que é demasiado grande para mim, muito maior, uma desporporção de forças. Algo que acontece e supostamente me devia matar, mas para já não mata, uma calma surreal perante a inevitabilidade de tudo, a necessidade de esperar para ver como estou, quais os danos. Uma coisa que afeta o meu lado de mãe - a minha mãe comigo no carro. 

Tenho muitas, imensas destas coisas na minha vida, estes pequenos bilhetes de algures, assim como o texto do Tomé. E por outro lado é tudo tão subtil que é quase intangível.

Quando o Tomé morreu, "por acaso" uma das minhas professoras alemâs estava em Lisboa, fiz uma consulta com ela. Nessa altura tinha a certeza de que eu e o Tomé iamos continuar a comunicar - e acredito mesmo que comunicámos pelo menos duas vezes. Com ela tentei compreender de que forma, não fomos capazes de chegar a nenhuma conclusão. Eu nunca senti que tinha perdido o Tomé, porque sempre acreditei que estariamos ligados de outra forma. Hoje questiono-me. Porque já não o sinto? Ando distraída? ele afastou-se? voltou a nascer? Boas perguntas, as respostas parecem chegar sempre cifradas. 

Erica quase a receber o Tomé
Outro Tomé :)
Há talvez um mês, uma colega que é parteira, partilhou num grupo que tinha estado num parto maravilhoso, que estava deliciada, que os pais eram maravilhosos, o bebé também, tinha corrido tudo tão bem. Fiquei ligada. No dia seguinte disse uma frase trivial que poderia perfeitamente não ter dito "O Tomé já está no colinho da mãe." Achei bonito a coincidência, pensei que se o Tomé renascer, espero que tenha assim um parto lindo e uma família linda que o ame muito, pensei nisso, foi reconfortante e depois esqueci. 

Algum tempo depois a Erica voltou a falar num parto, foi o parto seguinte de que falou, contou que tinha sido também um parto incrivel, o nome do bebé? Isac. 
Isac é o nome do meu outro filho. Dois partos, duas partilhas, das duas vezes o nome do bebé é mencionado e os nomes são os dos meus dois filhos. 

Brinquei com a minha filha Bianca... "só faltas tu" Francamente se a Erica assistisse a um parto de uma Bianca seria quase demasiado :)

Ainda assim fiquei atenta, pensei que as mensagens não são assim tão óbvias. Daí a umas semanas houve um encontro, um encontro onde as pessoas falam abertamente sobre a morte e o luto, chama-se Death Café e ácontece um pouco por todo o mundo. Neste encontro chegou uma mãe com uma filha muito jovem. A filha não era para vir, tinha ido para acompanhar a mãe que se sentia frágil. O nome da filha? por esta altura é fácil adivinhar: Bianca.

Claro que é possivel escolher acreditar em coincidências, mas seja pelo que for os meus filhos têm nomes incomuns... Isac, Bianca, Tomé. Quais são as possibilidades? Eu não sei, mas dá-me que pensar.

Tomé, quer andes aí ou já tenhas nascido, ou mesmo que tenhas desaparecido para sempre. Fazes-me falta. Muita falta. Não vou correr para a morte pare te reencontrar, embora tenha dias em que me apetece, antes de ir ainda tenho que fazer aqui, ainda tenho de quem cuidar aqui, ainda tenho a tua herança para honrar aqui. Espero que seja verdade que tudo é mais bonito desse lado. 

Diria "só quero que sejas feliz" se não fosse, da última vez que te disse isso, teres olhado para mim com um ar gozão e dito: Só? 
Tens razão filho isso não é nada pouco. É mesmo uma coisa que não se pode pedir a ninguém. Só quero que sejas quem és, onde quer que estejas. 

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